São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Outra opinião

Apesar do temperamento difícil, desafetos só ganharam força com a posse de Serra

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A idéia por trás da transformação da Osesp em fundação, em 2005, era que a orquestra pudesse ser gerida profissionalmente, sem ingerências políticas.
Soa, assim, como ironia das mais amargas que John Neschling esteja saindo do comando da orquestra justamente por conta das interferências da política na vida musical.
Não custa lembrar que Neschling chegou à Osesp, em 1996, no meio do mandato de um governador (o tucano Mario Covas, morto em 2001) que, até então, não se havia notabilizado por grandes ações na área da música. Pelo contrário: a orquestra que o maestro herdava de Eleazar de Carvalho estava relegada à acústica deficiente do Memorial da América Latina, enquanto o Coral Sinfônico (atual Coro da Osesp) temia por sua extinção.
Nem o mais ferrenho dos adversários (e não faltam candidatos a esse cargo) do maestro há de negar que existe um antes e um depois de Neschling na história da música erudita brasileira. A Osesp se tornou o principal paradigma de qualidade nesta área no país, sendo desde então imitada por todas as orquestras desejosas de elevar seu nível artístico.

Polêmicas
E foi o vigoroso respaldo político de sucessivos governos que garantiu ao regente a volumosa soma de recursos que viabilizou o aumento das remunerações dos músicos (e do próprio Neschling), a série de concertos com artistas internacionais, as encomendas de obras a autores contemporâneos, as turnês internacionais, os discos e os projetos educacionais que fizeram o sucesso da Osesp.
Era esse respaldo, ainda, que fazia Neschling parecer imune a todo tipo de polêmica, desde os questionamentos sobre o salário de R$ 100 mil mensais até as queixas de tratamento rude aos músicos nos ensaios.
Veio o lamentável episódio da demissão, em 2001, de alguns dos melhores integrantes da orquestra, e o maestro continuou forte. Ocorreu o imbróglio do Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos, em 2006, e sua posição seguiu inabalável.
Isso para não falar da maneira escolhida para defenestrar Roberto Minczuk da orquestra. O atual diretor musical da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira) era originalmente trompista e consolidou sua carreira como regente ao auxiliar Neschling no processo de renovação da orquestra.
Mas não foi necessário mais do que um artigo de jornal dizendo que os músicos da orquestra preferiam Minczuk a Neschling, em 2005, para que o diretor artístico da Osesp se livrasse daquele que parecia ser seu sucessor natural.
De qualquer forma, os problemas do maestro só começaram com a posse de José Serra no Palácio dos Bandeirantes, no início de 2007. Daí, ganharam força política os desafetos que o regente foi criando ao longo dos anos de Osesp, graças a seu temperamento reconhecidamente difícil.
Veio a fritura, e Neschling sentiu o golpe. Em artigo publicado em "Tendências/Debates" desta Folha, em 6 de abril, o maestro ergueu uma bandeira branca, propondo o "desarmamento de espíritos". Foi em vão. Resta ver se a Osesp dependia do voluntarismo de Neschling para seguir adiante, ou se o projeto está suficientemente consolidado para caminhar sem seu criador.


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