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"CISNE DE FELTRO" E "ALHOS & BUGALHOS"
Mendes Campos redescobre o tempo
RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL
As crônicas de Paulo Mendes Campos (1922-1991) parecem nos jogar numa espécie de
enigma do tempo. É como se o leitor fosse instigado a reinventar
seu próprio tempo por meio da
experiência descrita pelo autor-narrador -numa narrativa que
toma do poema e do conto características temporais mais fortes.
No espaço curto de seus textos,
o tempo nunca tem a medida linear, cabendo ao leitor a tentativa
de se encontrar nesse mosaico
cronológico -composto sobretudo pela experiência do indivíduo no tempo subjetivo, mas
também no tempo da história.
Em "Cisne de Feltro", suas "crônicas autobiográficas" que dão seguimento ao relançamento de sua
obra ao lado das "humorísticas"
de "Alhos & Bugalhos", o tempo
assume um papel ainda mais forte. A autobiografia, tema central a
toda a sua geração, aparece em
vários momentos de sua obra
-em quase toda, para fazer justiça-, o que torna arriscado falar
em "crônicas autobiográficas".
Desde o ano passado, a obra
deste mineiro, considerado "primus inter pares" entre seus companheiros de geração, vem sendo
organizada em volumes temáticos. Tal escolha, que obedece a
critérios de reinserção de seus textos no mercado, bate numa questão crucial à organização póstuma de qualquer obra: como manter a visada original do autor sobre sua produção se abandonamos seus critérios originais.
No caso dos livros de PMC, o organizador Flávio Pinheiro vai certamente se ver no ingrato papel de
desmembrar obras importantes,
em nome de suas "hipóteses temáticas"; mas obteve pelo menos
um importante mérito com "Cisne de Feltro", onde o universo do
autor ressurge recomposto com
potência, redescoberto no tempo.
Extraído de um verso de Neruda em "Walking Around" ("impenetrable, como un cisne de fieltro"), o título autobiográfico revela o autor em momentos de profunda ligação e revisitação de seu
ethos. Paulo Mendes Campos evidencia um compromisso ético
existencial de origem (saber o que
é visão de mundo aos 20 anos, incluía entre "Coisas Deleitáveis"),
que revisita, ao lado do leitor, nas
várias escalas desses textos:
Na "Autobiografia" que abre o
livro; nos perfis em que ausculta
suas heranças imaginárias, recebidas dos antepassados; na infância no interior de Minas; na experiência da "roça iluminada" que
vê virar cidade em Belo Horizonte; na mesma "Rua da Bahia" que
Pedro Nava dissecou em "Beira
Mar"; na lembrança iniciática do
Carnaval; nos primeiros empregos; na vivência da fome no Rio, à
chegada da idade madura; no crepúsculo; na insônia; na despedida
de uma janela em Ipanema.
Fecha o volume, ponto alto,
uma série de crônicas nas quais
PMC descreve suas experiências
com o LSD em 1962. Publicados
em "Manchete", seus relatos lisérgicos revelam uma nova experiência com o tempo e o reencontro com o menino que lhe aparece
aos 40 anos. PMC conclui: "O ácido lisérgico a meu ver deveria ser
um ponto de partida para a recuperação da realidade, dos dons de
percepção (...)".
Entre as crônicas humorísticas
de "Alhos & Bugalhos", o problema da disjunção se torna mais patente: há certo desnível entre os
textos, e alguns temas parecem
agora sem a menor importância.
É, sem dúvida, em "Cisne de
Feltro" onde somos mais instigados a reencontrar o autor, que ali
se vê num encontro marcado
consigo mesmo. Ou, para citá-lo,
como disse nos primeiros versos
do poema "Visita a Belo Horizonte", que dedica a Otto Lara Resende: "Posso viver em qualquer parte/ É sempre uma história".
Alhos & Bugalhos
Autor: Paulo Mendes Campos
Editora: Civilização Brasileira
Organização: Flávio Pinheiro
Quanto: R$ 25 (222 págs.)
Cisne de Feltro
Autor: Paulo Mendes Campos
Editora: Civilização Brasileira
Organização: Flávio Pinheiro
Quanto: R$ 20 (142 págs.)
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