São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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DANÇA/CRÍTICA

Coreografias revelam caminhos formais e afetivos

Divulgação
Cena de coreografia do Ballet du Grand Théâtre Genève


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Nos corpos que dançam, a busca de uma existência distinta: pela paixão, pela incerteza, pela beleza e segundo o desejo. Foi no teatro da UERJ, no Rio, sexta-feira passada, que os virtuosísticos bailarinos do Ballet du Grand Théâtre Genève fizeram sua estréia. A companhia, que há 12 anos não vinha ao Brasil, apresenta-se hoje e amanhã no teatro Alfa, dançando peças de três coreógrafos distintos.
Nos corpos desses 20 bailarinos, cada gesto tem acento próprio e não se constrange nunca por dificuldades técnicas. Entre eles, há três brasileiros -como Bruno Cezario, que faz sua última turnê no grupo antes de ir para o Cullberg Ballet.
Criado originalmente para o American Ballet Theatre, em 1997, "Remansos", de Nacho Duato, inspira-se na poesia de Garcia Lorca (1899-1936), com música do pré-modernista Enrique Granados (1867-1916). Geometria das linhas e uso dinâmico do espaço e das formas são marcas do coreógrafo, que parte dos passos clássicos para criar novos equilíbrios e desequilíbrios, que revêem de dentro a linguagem. O movimento é contínuo com pontuações agudas, exploradas em solos, duos, trios e quartetos.
Se as valsas de Granados têm cores evidentes da Espanha, assim como a poesia de Lorca, sem cair jamais em turismos, também na dança nada se dá de imediato. O simbolismo da flor vermelha abre e fecha a cena, mas as possibilidades de volume e gesto nos corpos ultrapassam a simples imagem, deixando no ar elementos de uma outra força.
Em "Para-Dice" ("Para-Dados", trocadilho com "Paradise"/ "Paraíso"), criada pelo japonês Saburo Teshigawara em 2002, a beleza e fragilidade da existência, diante das ondas invisíveis de energia, serão gradualmente quebradas. Os movimentos se tornam mais soltos e ao mesmo tempo mais articulados. A peça começa com uma fila de corpos no fundo, alternando homens e mulheres respectivamente de preto e amarelo, riscando o espaço. Partindo daí, a dança começa a se repuxar, em ondas no chão e no ar. Da quase imobilidade ao extremo movimento, Teshigawara leva os corpos a seus limites.
A música, do alemão Willi Bopp, combina harmonias frias da música eletrônica com sons diversos, de outras fontes. A luz vai do mais escuro ao mais brilhante, criando um mundo de névoas, sem pontos de apoio firmes. Teshigawara lida com a qualidade do gesto no espaço, buscando uma ultraconsciência dos sentidos.
A terceira peça, "Selon Désir" (Segundo o desejo), foi criada pelo coreógrafo Andonis Foniadakis a partir do coro de abertura da "Paixão segundo São Mateus" de Bach (1685-1750). Homens e mulheres, de saia, se debatem com as angústias e os desejos. Seus gestos são fluidos, com reverberações no tronco e nos braços. Infinitas espirais tomam o palco, reunindo e contrapondo o grupo de bailarinos. Cada coro se renova na simetria e na nostalgia dos corpos.
Vistas lado a lado, as coreografias revelam caminhos formais e afetivos, funcionais e simbólicos, que só tornam as ambigüidades dos gestos ainda mais evidentes. Nos corpos que dançam, a busca de uma outra existência: pelo desejo, pela beleza, pela paixão.


A crítica Inês Bogéa viajou a convite da produção do evento

Ballet du Grand Théâtre Genève
    
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/5693-4000)
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Quanto: de R$ 40 a R$ 80


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