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TELEVISÃO
Programa "Caixa Preta", o primeiro sob os cuidados de Marlene Mattos na Band, estréia neste sábado, às 23h
"Todo poder ao povo preto", pede Preta Gil
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Você vai se sentir como se estivesse no programa da Xuxa, mas
algo está mudado. Olhará ao redor e não encontrará nem rainha
nem paquitas louras. Em seu lugar está a roliça Preta Gil, 29, rodeada de quatro "pretetes" negras
vestidas em estilo hip hop.
O programa, "Caixa Preta", é
supervisionado pela mesma Marlene Mattos de 20 anos atrás. Estréia neste sábado, às 23h, sem patrocínio público ou privado, segundo a TV Bandeirantes. Na gravação a que a Folha assistiu, quinta, estiveram no palco a cantora
Luciana Mello com quatro bailarinos e a funkeira Tati Quebra-Barraco (do bordão "sou feia, mas
estou na moda") -todos negros.
Logo na introdução, a apresentadora-cantora-atriz-darlene-filha do ministro da Cultura já provocava: "Todo o poder para o povo preto!". Na trilha sonora de
frente e de fundo, iam se misturando Beyoncé, Preta, funks cariocas, axé, Luciana Mello (com
blusa verde-amarela com a inscrição "Jamaica") -todos negros.
Preta explica a opção, oscilando
entre o não e o sim: "Isso não é
proposital. As "pretetes", sim, são.
Tive vontade de chamar meninas
negras para que a gente pudesse
colorir a TV brasileira. É uma
conquista, que veio desde meu pai
e eu herdei. Sou a primeira preta a
ter um programa na TV, seja
aberta, fechada, quadrada. Vou tirar onda, sim, não vou?".
Marlene Mattos, gordinha e
mulata como sua nova pupila,
despista o que mudou do Brasil
de Xuxa ao Brasil de Preta: "Eu
nunca fui loira. Sempre dei, no
programa de uma loira, oportunidades para todas as cores".
Para demarcar diferenças, ressalta que Xuxa era do dia e Preta é
da noite. Sua vigilância é pesada, e
já foi assimilada por Preta, notória personagem irônica e auto-irônica: "Tento não me censurar
tanto para não me travar, mas
também não me liberar muito para não escrachar e a Band ter que
tirar meu programa do ar. Estou
numa emissora familiar."
Marlene aprofunda definições:
"Preta entrará na casa das pessoas. É preciso respeitar as pessoas. Preciso administrar seu sucesso, que é coisa difícil, perigosa.
Potencial e talento ela tem, mas
tem que chegar a hora em que não
precise ter babá". Babá? Marlene
gosta de ser babá? "De gente talentosa eu adoro. Eu odeio ser babá de burro, aliás não sou."
Bebê? Preta gosta de ser bebê?
Ainda é caso de ver para crer. No
palco, usa boa dose de espontaneidade e auto-ironia ("Preta burra!", repete quando erra), mas soma-a a certo deslumbre e a um
ego em compasso de inflação.
Ao topar com Tati, não consegue estabelecer um diálogo real.
Traz sempre a conversa de volta
para si própria, não consegue afetar curiosidade por seu duplo fermentado na Cidade de Deus. Como entrevistadora, fica mais Jô
Soares, menos João Gordo.
Ficará insuportável, se "Caixa
Preta" fizer sucesso? "Já sou, né,
meu bem? Já tenho uma popularidade bastante grande. Acho que
sou uma pessoa interessante."
Mas Preta é bebê, é? No programa gravado na quinta (que será
exibido dia 7, quando completa
30 anos), ganha bolo de aniversário, recebe visitas do filho Francisco, 9, e dos irmãos José, 12, e Isabela, 16. O programa vira sala de
casa, a molecada estoura balões.
"Minha vida é uma festa", diz
nos bastidores. Brincando por
perto, o filho intervém: "Essa é a
frase da vida dela". Isso cansa
Francisco? "É claro. Não tem tempo para mim." "Ah, eu me esforço
bastante, vai", ela devolve. Adiante, brinca de repreender o filho:
"Dá um tempo que estou dando
entrevista. Ainda não chegou sua
hora, Darlene".
E pai Gilberto Gil, deve comparecer ao programa? Ela quer, já
convidou. Lembra que ele recentemente voltou a tocar no assunto
do peso da filha e de ela ter posado
nua em capa de CD. "Sei que o padrão de estética do meu pai é um
padrão de magreza. Ele fala para
José, que já foi mais cheinho: "Você está comendo muita gordura!".
Não é comigo só, é com a família
toda. Ele é a balança da gente,
acho que é um trauma dele."
Também gordinho, Francisco
faz novo atalho. "A família toda é
assim. Ben (outro filho de Gil) era
gordo, virou magro. Nosso avô
era gordo. Será que eu fique magro?", pergunta, apontando seu
popozão. "Aí, eu fiquei um pouco
mais magra, você pode ficar", responde mama Preta, apertada na
calça justa de rainha dos altinhos.
De volta ao pai: "Ele disse à "Veja" que eu não deveria usar de atividades extra-curriculares para
divulgar meu trabalho como cantora. Mas até aí, como falei para o
Caetano, ele também está usando
de atividades extracurriculares
para ser ministro da Cultura".
Por falar em tio Caetano, ele e o
apresentador Otávio Mesquita
são os únicos não-negros a aparecer no programa desse dia. A Caetano, que surge gravado num telão, Preta pergunta se diz sempre
a verdade. "Não costumo mentir", ele responde, para depois
completar: "Às vezes tem que
mentir". Fica denso o programa.
Com a presença de Mesquita,
instala-se o caos. Preta pergunta
se ele é "metrossexual", insinua
que isso pode ser apelido moderno para "bicha". Luciana Mello
explica que resolveu cultivar o visual black power, "meu cabelo".
Preta pergunta à Tati do que ela
sentirá falta quando não estiver
mais na moda. Alisada como a
anfitriã, ela diz, às gargalhadas:
"Do meu cabelo". Mesquita opina
que homem tem que se cuidar,
que não pode ficar "gordo".
Transformado em tiroteio de preconceitos, fica fútil o programa.
Denso-fútil, termina o programa. Você se lembra de novo de
Xuxa. E aquelas manhãs aguadas
dos anos 80 pertencem mesmo a
um passado distante.
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