São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2005

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Em Campos, o maestro Kurt Masur xinga e afaga em cinco idiomas para ensaiar músicos brasileiros

Ensaio de ORQUESTRA

Daniel Kfouri/Folha Imagem
O maestro alemão Kurt Masur, durante suas atividades docentes no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão


IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Ele xinga a gente, mas não humilha", sintetiza uma das bolsistas do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, ao comparar o maestro alemão Kurt Masur, 78, com o qual ela acaba de ensaiar, aos regentes brasileiros sob cuja direção já tocou.
É meio-dia de terça-feira. Com a Orquestra Acadêmica, formada por alunos e professores do festival, Masur preparou, no auditório Cláudio Santoro, a "Abertura Festival Acadêmico", de Brahms, e a "Sinfonia n.º 1", de Mahler, itens do concerto que ele rege amanhã, em Campos do Jordão, e domingo, na Sala São Paulo.
A bolsista se refere a "catástrofe" e "desastre", expressões que ela ouviu com freqüência durante a leitura da obra de Brahms. Mas o regente faz questão de também estimular os músicos com gritos de "bravo" e "ulalá", quando o efeito é obtido. Ou, ainda, de procurar o mais jovem membro da orquestra -o violinista Victor Gonzalez Bigai, 12-, depois de encerrados os trabalhos, e se dizer muito feliz com a presença dele: "É muito bom revê-lo. É um prazer tocar com você. Você tocou muito bem".
Para se fazer entender, Masur recorre a não menos do que cinco idiomas. Os números são ditos em português: o tempo, por exemplo, ele conta "um-dôs [sic]-três-quatro". O alemão materno escapa aqui e ali: "Schön" ("bonito"), ele resmunga de quando em quando. O italiano, além dos termos musicais, como "moderato" e "mezzo forte", prorrompe em interjeições como "bravo" e "mamma mia".
Contudo, talvez por estar atualmente à frente da Filarmônica de Londres e da Orquestra Nacional da França, é o francês e o inglês que Masur emprega com mais freqüência.
E uma sentença pode incluir quase todas as línguas desta babel. Para pedir uma frase cantante aos violinos no primeiro movimento da sinfonia de Mahler, ele começa: "Schön spielen". Não se fez entender? Emenda: "Sing. There are so wonderful flowers here". A metáfora não ficou clara? Tome lá, então: "Comme des fleurs". Nem todos parecem ter compreendido, e ele arrisca o idioma da orquestra: "Como floras [sic]".
Depois do almoço, é a vez de os alunos de regência prepararem a orquestra. O alemão chama cada um dos pupilos por vez, para dirigir um trecho. Fica de pé fazendo anotações e até ajudando a reger a orquestra, com indicações específicas a este ou àquele naipe. "Tuba, por favor, não toque Wagner. Brahms é muito clássico. Os metais têm que pensar no som da "Flauta Mágica", de Mozart. Ou da "Quinta Sinfonia" de Beethoven. Mas não nas óperas wagnerianas." Masur às vezes se permite despachar alguns alunos sem críticas, depois de um trecho especialmente bem dirigido: "Bravo, você não precisa de mim".
"Ouvi um dia uma sinfonia de Schubert no rádio e pensei: "Que concerto lindo. Quem está regendo?" Era uma apresentação da Filarmônica de Berlim, em memória de Karl Böhm. Eles estavam tocando sem maestro." Ou: "Se você simplesmente deixar a orquestra tocar, ela sempre vai tocar alto demais. Nenhuma orquestra gosta de tocar pianíssimo".
Observações sobre dinâmica são reforçadas no final da tarde, quando a orquestra é dispensada e ficam apenas os discípulos, para ouvir Masur fazer uma análise detalhada da abertura de Brahms e dar alguns "pulos-do-gato" de como fazer trechos da partitura soarem melhor.
"Você vai ser respeitado pela orquestra se você não tocar como eles querem. O que eles querem é um agradável e confortável "mezzo forte", mas a gente tem que dar variedade de dinâmica."
E ilustra com uma anedota: "Em meu primeiro concerto com a Filarmônica de Nova York, eles estavam tocando "Till Eulenspiegel", de Richard Strauss, sem erros. Mas tudo estava soando tão alto que eu disse a eles: "Esse não é o espírito de "Till", é o espírito de King Kong!".

Orquestra Acadêmica
Regência:
Kurt Masur
Quando: amanhã, às 21h, no auditório Claudio Santoro (r. Dr. Arrobas Martins, 1.880, Campos do Jordão, tel. 0/xx/12/ 3662-2334), e domingo, às 17h, na Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes s/n, SP, tel. 0/xx/11/ 3337-5414)

Quanto: R$ 50 e R$ 70


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