São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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MÚSICA ERUDITA

Achado de pesquisador contesta dado de que obra mais antiga de Francisco Manuel da Silva é de 1820

Internet revira história do autor do Hino

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Descoberta na internet a obra mais antiga do autor do Hino Nacional Brasileiro: em um site de leilões, o compositor, pianista e musicólogo paulista Amaral Vieira, 50, adquiriu o manuscrito autógrafo do "Hino à Aclamação de D. João 6º", composto em 1817 pelo carioca Francisco Manuel da Silva (1795-1865).
Trata-se de um volume de 198 páginas, com encadernação de época e caligrafia que parece ser do próprio compositor.
A capa conta com a inscrição "Hymno per Musica da Cantarsi nel Giorno Felice dell'Aclamazione di S. Maestá Fedelissima, il Signore D. Giovanni VI - La Musica É di Francisco Manoele della Silva, Cantore della Capella R. nel Servizio de S. Maestá - Nel Anno del 1817" (Hino para Música a Cantar no Dia Feliz da Aclamação de Sua Majestade Fidelíssima, o Sr. D. João 6º - A Música É de Francisco Manuel da Silva, Cantor da Capela R. a Serviço de Sua Majestade -No Ano de 1817).
"Não há nenhuma possibilidade de ser uma falsificação, porque o trabalho que daria fazer uma falsificação dessas não compensaria o valor cobrado pelo manuscrito", afirma Vieira, que prefere, contudo, não revelar quanto desembolsou pela obra.
Responsável pela descoberta de outras peças perdidas da música erudita brasileira, como o "Tratado de Contraponto", de André da Silva Gomes (1752-1844), o quarto ato da ópera "A Louca", de Elias Lobo (1834-1901), e a "Valsa Brilhante", de Villa-Lobos (1887-1959), o musicólogo deparou com a obra de Francisco Manuel por acaso, quando navegava pelo site de leilões Arremate.com (www.arremate.com.br).
Seu lance foi o único. "Tive que esperar quase dois meses até que a partitura fosse entregue pelo correio, mas, quando abri o pacote, percebi que estava diante de uma preciosidade", diz.
De acordo com Vieira, o manuscrito estava em posse de "uma pessoa do Rio de Janeiro", com a qual o musicólogo perdeu o contato, e que já havia vendido, no site, uma série de antiguidades.
Na tonalidade de ré maior, a obra foi escrita para coro misto, quarteto vocal solista e orquestração de cordas, flauta e trompete, com partes adicionais de trompas, fagotes, tímpano e mais trompetes.
Com a escrita vocal virtuosística, influenciada pela ópera italiana, que caracteriza a música que se fazia no Brasil na época, o hino tem entre 15 e 20 minutos de duração, tendo sido feito sob encomenda do último vice-rei do Brasil, d. Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos.
De autoria do senador Antonio Gonçalves Gomide, o texto, em português, louva cada um dos reis de Portugal com o nome João.
Diz o estribilho: "Suba João ao throno/ Viva o Sexto Augusto/ O Re dos lusitanos/ Grande sábio e justo". "Curiosamente, sobre o texto em português há uma marcação a lápis, muito discreta, "convertendo" tudo para o latim litúrgico, ou seja, numa tentativa de transformar a peça em obra sacra", diz Vieira.
Aluno do maior compositor brasileiro do período colonial, o padre José Maurício Nunes Garcia, Francisco Manuel da Silva entrou para a história da música brasileira menos pelo talento como compositor do que pelos méritos de organizador da educação musical de sua época, com a fundação do Conservatório do Rio de Janeiro, na década de 1840.
Sua criação musical mais conhecida é o "Hino ao Sete de Abril", escrito em 1831 para comemorar a abdicação de D. Pedro 1.e que, posteriormente, se transformaria no Hino Nacional Brasileiro. A principal referência bibliográfica a seu respeito é "Francisco Manuel da Silva e Seu Tempo" (Edições Tempo Brasileiro, 1967), de Ayres de Andrade.
Sua peça tida como mais antiga pela "Enciclopédia da Música Brasileira" é um "Te Deum" de 1820. "O "Te Deum" a que se refere a enciclopédia é do conhecimento exclusivo da sra. Cleofe Person de Mattos e a fonte da informação, infelizmente, desapareceu com ela", diz o musicólogo carioca Marcelo Hazan, especialista no compositor.
"Confirmo: o "Hino à Aclamação de D. João 6º" é, em disparado, sua obra mais antiga. A importância deste achado não tem tamanho. A "Gazeta do Rio de Janeiro", que cobriu em detalhe o evento, não registra a peça", diz Hazan.



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