São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2010

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CRÍTICA CONTOS

Luiz Schwarcz cria romance inconfessado

Novo livro do editor da Companhia das Letras alterna narrativas ligadas pelo tema da incomunicabilidade


PARA ALÉM DA AMARGA AUTOIRONIA, AS RECORRÊNCIAS LINGUÍSTICAS RESPONDEM PELA ARMAÇÃO RIGOROSA DE CADA CONTO DO LIVRO


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"A linguística tem sempre razão", diz o narrador de "Antônia", conto que abre "Linguagem de Sinais", segundo livro do editor Luiz Schwarcz.
A frase é pronunciada no momento em que a personagem ata o nó das reincidências que atravessam sua vida: os apelidos jocosos que recebia dos amigos de rua, dos colegas e da mulher, expressando isolamento e incomunicabilidade. Para além da amarga autoironia, as recorrências linguísticas respondem também pela armação rigorosa de cada conto -e do próprio livro, cuja matéria-prima pode oscilar entre o anedótico e o dramático, mas sempre fazendo uso de paralelismos e espelhamentos.
Em "O Síndico", a narradora sente a privacidade invadida pelo administrador do condomínio, passa a ter pesadelos e a repetir seus tiques linguísticos. No doloroso (e belíssimo) "Pai", a alternância geracional numa família judaica é apreendida por sutis mudanças no modo de lidar com os ritos religiosos.
São contos desiguais entre si, porém ambos notáveis na arte de converter a neurótica banalidade em sintoma linguístico ou de fazer da linguagem uma cadeia que transmite lacunas, omissões e compensações simbólicas. Tais recorrências ficam mais patentes na continuidade que há entre "Antônia" e outros cinco contos do livro.

DEFASAGENS
Espécie de romance inconfessado, eles compõem a "linguagem de sinais" do título, desencadeada pela cena em que, num avião prestes a decolar, um velho com Alzheimer toma o destino errado e deve desembarcar, mas já não sabe de onde veio.
Metáfora do desconhecimento da origem e da incerteza do fim, o episódio instaura outras defasagens: o sentimento juvenil de inadequação ("A Voz"), a identificação com o tenor frustrado que acaba como cantor de sinagoga ("Kadish"), a mulher especialista na linguagem dos surdos-mudos, que cultua Beethoven e reduz o casamento a um confronto entre o silêncio do narrador e a balbúrdia muda dos gestos ("Antônia" e "Volta o Lar").
Um apêndice informa que o episódio do avião de fato aconteceu, num voo para Portugal.
Esclarecer a gênese da narrativa parece preciosismo do editor que está por trás do escritor, não fosse o fato de que, na história real, o piloto teve um ataque cardíaco antes da decolagem -incidente que Schwarcz preferiu excluir, já que a realidade tornou-se mais inverossímil do que a ficção!


LINGUAGEM DE SINAIS

AUTOR Luiz Schwarcz
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 33 (104 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
LANÇAMENTO 14/9, às 19h, na loja Companhia das Letras por Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073; tel. 0/xx/11/3170-4033)




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