São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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"Jornal Nacional" chega despolitizado aos 30 anos

FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local

Na próxima quarta-feira, dia 1º de setembro, o "Jornal Nacional", da Rede Globo, completa 30 anos no ar. O primeiro telejornal exibido em rede no país não é mais aquele que funcionou como porta-voz "oficioso" do regime militar; não é mais o mesmo acusado de participar da tentativa de fraudar a eleição de Leonel Brizola ao governo do Rio em 82; não é igual ao telejornal que "escondeu" a campanha das Diretas-Já em 84 nem, tampouco, o que favoreceu, na edição do debate à véspera da eleição presidencial de 89, a candidatura de Fernando Collor.
O "JN" mudou, ou vem mudando há dez anos. Ganhou em isenção, ficou mais pluralista, mas sobretudo afastou-se da política. Sua ênfase hoje está nos assuntos de grande apelo popular e carga emotiva -dos pequenos dramas do cotidiano às grandes tragédias naturais, das curiosidades do reino animal aos espetáculos esportivos ou aventuras cinematográficas envolvendo o mundo policial.
O jornal ganhou ao mesmo tempo mais ímpeto investigativo, mas suas energias não estão voltadas contra as altas esferas do poder, com as quais o "JN" durante muito tempo se confundiu. Suas denúncias visam menos o topo da política que as mazelas sociais ou as estruturas anônimas e/ou subalternas da administração pública. Os casos da favela Naval, em 97, e da máfia dos remédios falsificados, em 98, são exemplos célebres do tipo de empenho investigativo preferido pelo "novo "JN'".

Sociedade despolitizada
Há quem veja hoje no formato do telejornal uma reunião de "faits divers" (amenidades). William Bonner, 36, há 13 anos na Globo, apresentando o "JN" desde 96 (onde é um dos editores), rejeita essa avaliação. "Discordo de que a ênfase atual do "JN" seja para os "faits divers". Concordo, porém, com a observação sobre a despolitização do noticiário como consequência direta da despolitização da sociedade", disse à Folha, em entrevista concedida mediante autorização do diretor da Central Globo de Jornalismo (CGJ), Evandro Carlos de Andrade (leia entrevista à pág. 4-10).
É uma norma interna: jornalistas da Globo só podem falar à imprensa depois de autorizados por Evandro, que solicita os pedidos caso a caso e por escrito.
Para Bonner, "o que há de novo é uma disposição para satisfazer o interesse do público, além de cumprir o dever jornalístico de noticiar o que é de interesse público". "O cardápio de assuntos do "JN'", prossegue, "contempla os mesmos temas explorados pelos jornais, com a peculiaridade de não poder fazê-lo distribuindo tarefas entre cadernos. Aos olhos de quem deseja comprovar teses conspiratórias, a justaposição dos "faits divers" às "hard news" grita no "JN". Mas torna palatável uma reportagem de duas páginas sobre o comportamento de celebridades num caderno de cultura, como gentilmente tratamos o apêndice de "faits divers" na mídia impressa", completa Bonner.

"Jornal só no nome"
O jornalista Paulo Henrique Amorim discorda e contra-ataca. "O "JN" é jornal só no nome, tem compromisso com o entretenimento, não com o jornalismo. Não é mais fonte de informação para ninguém nem é percebido como um telejornal, e sim como mais um programa que integra e se enquadra na estratégia de programação da Globo", afirma Paulo Henrique, que se desligou da emissora em novembro de 96, depois de 12 anos de casa.
O problema, segundo ele, não é apenas a ênfase em "fatos bizarros, matérias de comportamento e casos de polícia", mas a "edição de "hard news" com assuntos intemporais". Paulo Henrique cita como exemplo o "JN" que foi ao ar anteontem. A reportagem sobre a manifestação contra o governo em Brasília foi imediatamente seguida de uma outra, sobre o vício do álcool entre adolescentes e a preocupação dos pais. "A segunda é uma notícia sem novidades, intemporal, mas que, posta naquele contexto, esconde o impacto da primeira pela carga emocional que carrega", diz.
Paulo Henrique saiu da Globo brigado, mas foram também divergências com a linha editorial "despolitizada" do "JN" que levaram Lillian Witte Fibe, atual âncora e editora-chefe do "Jornal da Globo", a se afastar de sua apresentação, em fevereiro de 98. Foi substituída por Fátima Bernardes, 36, mulher de Bonner, há 12 anos na Globo e desde março de 98 à frente do "JN" com o marido.

A "era Cid"
A entrada da dupla Bonner e Witte Fibe no "JN", em março de 96, encerrou a "era Cid Moreira". Foi uma mudança necessária e até tardia, mas brusca demais, nas palavras de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, desde 97 afastado do comando da emissora, que exerceu durante 30 anos.
Cid Moreira passou 27 anos apresentando o "JN", desde o seu primeiro dia. Atravessou indiferente vários governos, militares e civis, e passou pelas mãos dos três diretores da Central Globo de Jornalismo: Armando Nogueira (governos militares mais Sarney), Alberico Souza Cruz (era Collor mais Itamar) e o atual, Evandro de Andrade, que assumiu em 95.
Cid, segundo William Bonner, "não é comparável a ninguém. No dia em que eu me comparar a ele, o sertão terá virado mar -e a justa preocupação com o apocalipse tornará irrelevante minha sandice. Não sou seu herdeiro, sou seu sucessor, viável apenas pela mudança da filosofia que norteia a escolha de apresentadores de telejornais da Globo".
Foram de Cid Moreira o primeiro "boa noite" e a primeira "omissão" do "JN", quando disse, logo no início do dia de estréia, que o presidente Costa e Silva estava "melhor e se alimentando bem". A Junta Militar havia assumido o comando do país no dia anterior devido à doença de Costa e Silva -fato noticiado- e este morreria em 17 de dezembro.
A primeira entrevista exibida pelo "JN" foi gravada com o então ministro da Fazenda, Delfim Netto (atual deputado pelo PPB-SP), que surgiu na tela no dia de estréia para "levar uma palavra de tranquilidade para todos os brasileiros". Começava assim a saga do telejornal que é líder de audiência no país há três décadas.


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