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"Jornal Nacional" chega
despolitizado aos 30 anos
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
Na próxima quarta-feira, dia 1º
de setembro, o "Jornal Nacional",
da Rede Globo, completa 30 anos
no ar. O primeiro telejornal exibido em rede no país não é mais
aquele que funcionou como porta-voz "oficioso" do regime militar; não é mais o mesmo acusado
de participar da tentativa de fraudar a eleição de Leonel Brizola ao
governo do Rio em 82; não é igual
ao telejornal que "escondeu" a
campanha das Diretas-Já em 84
nem, tampouco, o que favoreceu,
na edição do debate à véspera da
eleição presidencial de 89, a candidatura de Fernando Collor.
O "JN" mudou, ou vem mudando há dez anos. Ganhou em isenção, ficou mais pluralista, mas sobretudo afastou-se da política.
Sua ênfase hoje está nos assuntos
de grande apelo popular e carga
emotiva -dos pequenos dramas
do cotidiano às grandes tragédias
naturais, das curiosidades do reino animal aos espetáculos esportivos ou aventuras cinematográficas envolvendo o mundo policial.
O jornal ganhou ao mesmo
tempo mais ímpeto investigativo,
mas suas energias não estão voltadas contra as altas esferas do poder, com as quais o "JN" durante
muito tempo se confundiu. Suas
denúncias visam menos o topo da
política que as mazelas sociais ou
as estruturas anônimas e/ou subalternas da administração pública. Os casos da favela Naval, em
97, e da máfia dos remédios falsificados, em 98, são exemplos célebres do tipo de empenho investigativo preferido pelo "novo "JN'".
Sociedade despolitizada
Há quem veja hoje no formato
do telejornal uma reunião de
"faits divers" (amenidades). William Bonner, 36, há 13 anos na
Globo, apresentando o "JN" desde 96 (onde é um dos editores),
rejeita essa avaliação. "Discordo
de que a ênfase atual do "JN" seja
para os "faits divers". Concordo,
porém, com a observação sobre a
despolitização do noticiário como
consequência direta da despolitização da sociedade", disse à Folha, em entrevista concedida mediante autorização do diretor da
Central Globo de Jornalismo
(CGJ), Evandro Carlos de Andrade (leia entrevista à pág. 4-10).
É uma norma interna: jornalistas da Globo só podem falar à imprensa depois de autorizados por
Evandro, que solicita os pedidos
caso a caso e por escrito.
Para Bonner, "o que há de novo
é uma disposição para satisfazer o
interesse do público, além de
cumprir o dever jornalístico de
noticiar o que é de interesse público". "O cardápio de assuntos do
"JN'", prossegue, "contempla os
mesmos temas explorados pelos
jornais, com a peculiaridade de
não poder fazê-lo distribuindo tarefas entre cadernos. Aos olhos de
quem deseja comprovar teses
conspiratórias, a justaposição dos
"faits divers" às "hard news" grita
no "JN". Mas torna palatável uma
reportagem de duas páginas sobre o comportamento de celebridades num caderno de cultura,
como gentilmente tratamos o
apêndice de "faits divers" na mídia
impressa", completa Bonner.
"Jornal só no nome"
O jornalista Paulo Henrique
Amorim discorda e contra-ataca.
"O "JN" é jornal só no nome, tem
compromisso com o entretenimento, não com o jornalismo.
Não é mais fonte de informação
para ninguém nem é percebido
como um telejornal, e sim como
mais um programa que integra e
se enquadra na estratégia de programação da Globo", afirma Paulo Henrique, que se desligou da
emissora em novembro de 96, depois de 12 anos de casa.
O problema, segundo ele, não é
apenas a ênfase em "fatos bizarros, matérias de comportamento
e casos de polícia", mas a "edição
de "hard news" com assuntos intemporais". Paulo Henrique cita
como exemplo o "JN" que foi ao
ar anteontem. A reportagem sobre a manifestação contra o governo em Brasília foi imediatamente seguida de uma outra, sobre o vício do álcool entre adolescentes e a preocupação dos pais.
"A segunda é uma notícia sem novidades, intemporal, mas que,
posta naquele contexto, esconde
o impacto da primeira pela carga
emocional que carrega", diz.
Paulo Henrique saiu da Globo
brigado, mas foram também divergências com a linha editorial
"despolitizada" do "JN" que levaram Lillian Witte Fibe, atual âncora e editora-chefe do "Jornal da
Globo", a se afastar de sua apresentação, em fevereiro de 98. Foi
substituída por Fátima Bernardes, 36, mulher de Bonner, há 12
anos na Globo e desde março de
98 à frente do "JN" com o marido.
A "era Cid"
A entrada da dupla Bonner e
Witte Fibe no "JN", em março de
96, encerrou a "era Cid Moreira".
Foi uma mudança necessária e
até tardia, mas brusca demais, nas
palavras de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, desde 97
afastado do comando da emissora, que exerceu durante 30 anos.
Cid Moreira passou 27 anos
apresentando o "JN", desde o seu
primeiro dia. Atravessou indiferente vários governos, militares e
civis, e passou pelas mãos dos três
diretores da Central Globo de Jornalismo: Armando Nogueira (governos militares mais Sarney), Alberico Souza Cruz (era Collor
mais Itamar) e o atual, Evandro
de Andrade, que assumiu em 95.
Cid, segundo William Bonner,
"não é comparável a ninguém.
No dia em que eu me comparar a
ele, o sertão terá virado mar -e a
justa preocupação com o apocalipse tornará irrelevante minha
sandice. Não sou seu herdeiro,
sou seu sucessor, viável apenas
pela mudança da filosofia que
norteia a escolha de apresentadores de telejornais da Globo".
Foram de Cid Moreira o primeiro "boa noite" e a primeira
"omissão" do "JN", quando disse,
logo no início do dia de estréia,
que o presidente Costa e Silva estava "melhor e se alimentando
bem". A Junta Militar havia assumido o comando do país no dia
anterior devido à doença de Costa
e Silva -fato noticiado- e este
morreria em 17 de dezembro.
A primeira entrevista exibida
pelo "JN" foi gravada com o então
ministro da Fazenda, Delfim Netto (atual deputado pelo PPB-SP),
que surgiu na tela no dia de estréia para "levar uma palavra de
tranquilidade para todos os brasileiros". Começava assim a saga do
telejornal que é líder de audiência
no país há três décadas.
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