São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVRO
"Rock and Hard Places" investiga mundo pop e mistura literatura de viagem com crítica musical
Obra sintetiza cultura pop globalizada

SYLVIA COLOMBO
de Londres

Acompanhando a banda britânica Radiohead pelos Estados Unidos, os irlandeses do U2 em Sarajevo, ou ainda investigando o "underground" cultural dos países bálticos, do Líbano, Afeganistão ou Marrocos, o australiano radicado em Londres Andrew Mueller colheu material para o que ele chama de "uma síntese da cultura pop em tempos de globalização".
"Rock and Hard Places", uma mistura de literatura de viagem com crítica musical, acaba de ser lançado no Reino Unido defendendo a estranha teoria que aproxima o jornalista, no bastidor de um show de rock, do soldado, na trincheira em plena guerra.
Mueller, jornalista e escritor, concedeu entrevista à Folha em sua casa, em Londres. Leia os principais trechos.

Folha - Você cita a cena que viu de um curdo limpando sua arma ao som de "Loosing my Religion", do R.E.M., como exemplo da globalização da música pop. Isso está relacionado com a massificação pelo mercado ou se trata de uma identidade cultural mundial?
Andrew Mueller -
Acho que as duas coisas andam de mãos dadas. Há o componente do mercado, é claro, mas acho que isso interage com o produto deste comércio. Há a indústria cultural, que, por meio da TV, Internet etc., põe seus produtos à venda para o mundo. Mas isso gera interesse pela cultura ocidental e até uma certa identificação com alguns temas. Michael Stipe (cantor do R.E.M.), falando de sua descrença existencial, passa a ser universal, sim. Por isso é tambémquestão de identidade cultural.

Folha - Como você explica o sucesso crescente de títulos de literatura de viagem enquanto a globalização encurta as distâncias geográficas entre os países?
Mueller -
Acho que não há contradição, há uma mudança no tipo de interesse das pessoas. Há dez, quinze anos, tanto um conflito nos Bálcãs quanto o megashow de uma banda famosa na ex-União Soviética fariam com que as pessoas quisessem ouvir notícias sobre o fato, ter acesso a informações em primeira mão.
Hoje, isto é relativo, as pessoas querem interagir mais com a realidade, seja com a guerra, seja com um show que esteja acontecendo num lugar distante do planeta. Por isso, acho que relatos pessoais são valorizados, daí o sucesso da literatura de viagem, ou de viagem musical, como é o caso do livro.

Folha - Quer dizer, uma coisa é abrir a página da Internet com informações sobre o Marrocos, outra é ler o capítulo do seu livro sobre o show que o Def Leppard fez lá?
Mueller -
Exato, ninguém vai ler meu livro pra saber a ordem das músicas que os caras tocaram, mas sim pra sentir os cheiros que eu senti, pra fazer as perguntas comuns como as que eu fiz para o taxista que me levou do hotel até o show. A cultura ocidental gosta de narrativas, isso é forte para sucumbir frente a qualquer mídia.

Folha - Apesar de no livro você adotar um conceito globalizado da cultura pop, em cada país visitado seu interesse é ressaltar uma reação particular...
Mueller -
É por isso que, na verdade, não gosto tanto assim do conceito de globalização, porque às vezes as pessoas o interpretam como uma massificação na recepção dos produtos da indústria cultural. Isso não é verdade. Em cada cultura, uma música, um filme, tem um impacto diferente.

Folha - Dê exemplos.
Mueller -
Estive em Sarajevo antes e depois da guerra. O que tocava nas rádios antes? Pop americano, baladas, bandinhas bem comerciais. Depois, a cena grunge e heavy metal da região cresceu, eram os sons que predominavam no rádio. Por quê? Era uma catarse de sentimentos, sensação de liberdade e alegria que se apropriavam de um elemento cultural que estava no ar, como o grunge, que é um estilo pesado, para expressar uma situação cultural específica.

Folha - Qual vai ser o som das rádios de Kosovo?
Mueller -
Talvez aconteça o mesmo. Em Belgrado, por exemplo, sei que o rock pesado sempre teve muito espaço, é um reflexo do domínio regional que a Sérvia exerce, a juventude iugoslava absorve isso de alguma maneira.



Texto Anterior: Televisão: Greenaway fala de "Oito Mulheres e Meia" no Euro
Próximo Texto: Irmão caçula dos livros de viagem
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.