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RÉPLICA
Por que classificar de repetitivo o CD de Maria Bethânia?
DENISE STOKLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Lá vem Picasso pintando
de novo mulher de muitos
rostos, reutilizado demais!" "E esse Schönberg com a mesmice de
sempre!" "Que vozinha sempre
igual a do João Gilberto!" "Billie
Hollyday está usando e reusando
seus estratagemas renitentes!"
"Dalton Trevisan de novo com
João e Maria, dentinho de ouro."
"Êta que o Niemeyer fez mais
uma construção niemeyrica!" Em
muitos momentos criadores vêm
sua elaboração, seu corte estético,
seu monumento e movimento artístico recebidos como repetição.
Se Elis Regina pudesse apresentar para nós no ano que vem um
CD e show que contivessem de
"Upa, Neguinho" a "Se Eu Quiser
Falar com Deus", e a moçada pudesse presenciar a um só tempo
história e presente? Que máximo,
hein? A qualidade brasileira estaria bem festejada.
"Cinema? Não, obrigada, não
vou, já assisti a um filme." "Fazer
amor? Com aqueles cacoetes,
mesmices e estrategemas renitentes de abraços, beijos, etc.? Obrigada, não estou interessada, porque já fiz umas vezes."
Já. Que pressa! O que é exatamente "já" em artes? Nas circences, palhaçadas são repetições? Os
trapézios são cacoetes de trapezistas? E o velho número do Chaplin
rodando sua bengala, mesmice?
Em festa de aniversário rememoram-se experiências e celebra-se o devir. Maria Bethânia aos 35
anos de carreira sai com seu CD
"Maricotinha". As novas gerações
ganham um presente, as que
acompanham a trajetória renovam seu olhar sobre o amadurecer frutificando. E numa explosão
de talentos alia-se a outro mago
-aliás, soaria como pleonasmo
ingênuo pedir respeito inatacável
adquirido por serviços prestados,
puro mérito, a este homem único
de teatro chamado Fauzi Arap.
Para felicidade do público, ambos revificam as platéias e ouvidos, e de seu encontro perfeito
brotam Pessoas e Lispectors.
Gravadora nova: "Biscoito Fino" vem pesquisando e lançando
vigorosamente música brasileira
da melhor mediante vários bons
instrumentistas, compositores,
artistas que estavam ocultos.
Nela Bethânia entra como no
seu palco, primeiro pedindo licença, devagarzinho, mas cheia
de surpresas e planos originais.
Obrigada, Bethânia, pelo seu extraordinário e fortalecido estilo
em "Maricotinha". E o pessoalzinho de 20 anos que não te havia
visto antes misturando como ninguém poesia e música? Precisava
te ver, te ouvir, e você trouxe.
Cumpridora de papel cultural.
Acredita em história do Brasil.
Mas naquela que a psicodramatista Marisa Greeb conta: "Ué, a
gente aprende na escola: "Terra à
vista", porém, ponto de vista de
quem, cara pálida, se o nosso
olhar foi: "Gente à vista!'". Muda
tudo! A pergunta é essa: que país
queremos? Com o qual estamos
engajados? Desprezando e tratando como banal o que é substância
e permitindo sair ileso o que é
descartável? Que país é esse que
fazemos todo dia com nossas opções, artigos, posições?
Pesemos as palavras e os conceitos que diferenciam. Afinal até o
Homem Cromagnon, quase pré-histórico, se distinguiu dos primatas por saber distinguir. Precisa voltar até lá para relembrar?
Mas então vamos mesmo. Daí,
até, com um pouco de carinho no
Brasil, quem sabe chegaríamos a
comemorar quando um estacionamento fechasse para ser reformado em teatro, contrariando
outra regra geral e generalizada. O
resto já sabemos no que deu neste
país da barbárie quase estilo.
É de se perguntar ao analista de
arte, por que figuras de produção
perniciosa ao Brasil (colonizadas,
mantenedoras de comportamentos alienados e perversos, algumas até de provados estímulos
pedófilos) não levam pedradas,
vaias, alertas, em seus lançamentos de livros, discos, peças, filmes
ou exposições. Por que, analista
de arte, continuar batendo ponto
na cartilha que permite esconder
a omissão de atacar sistemas de
realmente graves consequências
nacionais? Isso não se conecta a
trabalhar por um país melhor?
Abro o jornal. Nada mesmo escrito sobre essas canções, esses
grupos, esses cantores. Incólumes. Hábito mau, brasileiro, como aquele quase inacreditável: o
de tantos que serviram à tortura
passarem sem vaias pelas ruas.
Mas, espere, encontro na segunda
página uma crítica classificando
de repetitivo o CD de Bethânia
(Ilustrada, pág. E2, em 18/10/02),
em show dirigido por Arap, na
gravadora Biscoito Fino. Já?
Denise Stoklos é atriz e diretora
Internet: www.denisestoklos.com.br
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