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Crítica/literatura
Em ensaio primoroso, Roman Jakobson analisa Maiakóvski
GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Leio este livro com o pensamento no trabalho
admirável de Augusto e
Haroldo de Campos.
Tivemos sorte os leitores
brasileiros pela missão literária
a que esses dois poetas e tradutores se vincularam abrindo
nosso horizonte cultural. Desasnando nossas cabeças.
Para mim o nome de Roman
Jakobson está associado ao de
Haroldo de Campos. Moscou.
Praga. São Paulo. Esse mapa
mental foi desenhado por Haroldo de Campos. Somos gratos
a ele.
Na crítica literária a questão
da turma da "sociologia" versus
a turma da "forma", Pinheiros
versus Perdizes, é conversa de
urubu com bode. Socialismo libertário brasileiro algum poderá prescindir do barroco Haroldo de Campos. Mas o que isso
tem a ver com o suicídio do
poeta Maiakóvski na União Soviética e o livro do lingüista Roman Jakobson publicado logo a
seguir em 1930?
Nada e, ao mesmo tempo, tudo. É que nas últimas décadas
poesia e marxismo foram apresentados como coisas adversas.
O anticomunismo correu solto
no Brasil e no mundo. O crítico
Jakobson não deixa de realçar:
Maiakóvski era um poeta marxista, ou um marxista poeta. E
se de fato marxista, revolucionário e contra o capital; mas isso por si só não faz dele um
grande poeta. A arte da palavra
não cai automaticamente no
colo do poeta que é a favor da
revolução proletária.
Futuro e suicídio
Amigo de Maiakóvski, o lingüista do chamado "formalismo russo" levou um susto, um
choque, um trauma com o suicídio dele, anunciado volta e
meia em seus versos.
Um marxista revolucionário
não se mata, a não ser sob condições de tortura e pressionado
por humilhação atroz.
O suicídio era estranho ao futurismo russo, segundo Jakobson, que teve de repensar a relação entre biografia e arte, de
que resultou esse pequeno ensaio primoroso.
Quem amava tanto o futuro
se matou. Há contradição nisso? Maiakóvski não enfiou a
poesia dentro de um segregado
departamentozinho de letras
com uma literatura-curriola:
"tarefa de caráter delicado o lugar do poeta num regime operário".
Atualmente no mundo inteiro o cibercomputador substituiu a dialética, então vale a pena lembrar Jakobson evocando
o ódio de Maiakóvski aos conformistas, aos conciliadores e
aos burocratas: "Mande ao diabo essa literatura que é servida
só como sobremesa".
Empolgado com a física de
Einstein, o poeta russo chegou
a imaginar que haveria a vitória
do homem sobre a morte, embora repudiasse o milagre ou a
idéia de transcedência mística.
Tudo na terra, nada no céu;
ou como escreveu o crítico: "o
terrestre eterno é o sonho de
Maiakóvski".
Tive a impressão que a certa
altura Jakobson perdeu a paciência de querer trazer à tona
o motivo pelo qual Maiakóvski
se matou: "a peculiaridade da
Rússia não reside tanto no fato
de que seus grandes poetas desapareceram tragicamente,
mas no fato de que existiram".
Lírico, sim; mas não narciso
pimpão com um hiperbolizado
eu, eu, eu.
Jakobson cita o acerto da
avaliação crítica de Leon Trótski, que viu no eu de Maiakóvski
a metamorfose de si no engrandecimento do gênero humano.
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS é
professor de ciências sociais na Universidade
Federal de Juiz de Fora.
A GERAÇÃO QUE ESBANJOU SEUS POETAS
Autor: Roman Jakobson
Tradução: Sonia Regina Martins Gonçalves
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 29 (96 págs.)
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