São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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Crítica/literatura

Em ensaio primoroso, Roman Jakobson analisa Maiakóvski

GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Leio este livro com o pensamento no trabalho admirável de Augusto e Haroldo de Campos.
Tivemos sorte os leitores brasileiros pela missão literária a que esses dois poetas e tradutores se vincularam abrindo nosso horizonte cultural. Desasnando nossas cabeças. Para mim o nome de Roman Jakobson está associado ao de Haroldo de Campos. Moscou. Praga. São Paulo. Esse mapa mental foi desenhado por Haroldo de Campos. Somos gratos a ele.
Na crítica literária a questão da turma da "sociologia" versus a turma da "forma", Pinheiros versus Perdizes, é conversa de urubu com bode. Socialismo libertário brasileiro algum poderá prescindir do barroco Haroldo de Campos. Mas o que isso tem a ver com o suicídio do poeta Maiakóvski na União Soviética e o livro do lingüista Roman Jakobson publicado logo a seguir em 1930?
Nada e, ao mesmo tempo, tudo. É que nas últimas décadas poesia e marxismo foram apresentados como coisas adversas. O anticomunismo correu solto no Brasil e no mundo. O crítico Jakobson não deixa de realçar: Maiakóvski era um poeta marxista, ou um marxista poeta. E se de fato marxista, revolucionário e contra o capital; mas isso por si só não faz dele um grande poeta. A arte da palavra não cai automaticamente no colo do poeta que é a favor da revolução proletária.

Futuro e suicídio
Amigo de Maiakóvski, o lingüista do chamado "formalismo russo" levou um susto, um choque, um trauma com o suicídio dele, anunciado volta e meia em seus versos. Um marxista revolucionário não se mata, a não ser sob condições de tortura e pressionado por humilhação atroz.
O suicídio era estranho ao futurismo russo, segundo Jakobson, que teve de repensar a relação entre biografia e arte, de que resultou esse pequeno ensaio primoroso. Quem amava tanto o futuro se matou. Há contradição nisso? Maiakóvski não enfiou a poesia dentro de um segregado departamentozinho de letras com uma literatura-curriola: "tarefa de caráter delicado o lugar do poeta num regime operário".
Atualmente no mundo inteiro o cibercomputador substituiu a dialética, então vale a pena lembrar Jakobson evocando o ódio de Maiakóvski aos conformistas, aos conciliadores e aos burocratas: "Mande ao diabo essa literatura que é servida só como sobremesa".
Empolgado com a física de Einstein, o poeta russo chegou a imaginar que haveria a vitória do homem sobre a morte, embora repudiasse o milagre ou a idéia de transcedência mística. Tudo na terra, nada no céu; ou como escreveu o crítico: "o terrestre eterno é o sonho de Maiakóvski".
Tive a impressão que a certa altura Jakobson perdeu a paciência de querer trazer à tona o motivo pelo qual Maiakóvski se matou: "a peculiaridade da Rússia não reside tanto no fato de que seus grandes poetas desapareceram tragicamente, mas no fato de que existiram".
Lírico, sim; mas não narciso pimpão com um hiperbolizado eu, eu, eu. Jakobson cita o acerto da avaliação crítica de Leon Trótski, que viu no eu de Maiakóvski a metamorfose de si no engrandecimento do gênero humano.


GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora.

A GERAÇÃO QUE ESBANJOU SEUS POETAS
Autor:
Roman Jakobson
Tradução: Sonia Regina Martins Gonçalves
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 29 (96 págs.)


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