São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Crítica/"Kimera - Estranha Sedução"

Filme de Auster entrega falta de intimidade com o cinema

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Depois de terminar um romance que lhe tomou três anos, o escritor Martin Frost (David Thewlis) refugia-se em uma casa de campo para "viver a vida de uma pedra". Mas, ao acordar certo dia e encontrar ao lado, na cama, uma mulher misteriosa (Irène Jacob), é obrigado a rever os seus planos.
A mulher afirma ser sobrinha do dono da casa, amigo do autor. Ela exibe a chave da residência. E diz chamar-se Claire Martin. O sobrenome dela é o nome do escritor. Essa é só uma das várias coincidências deste filme do romancista e cineasta bissexto Paul Auster -uma meditação sobre o amor e os mistérios da vida e da criação.
Martin, naturalmente, apaixona-se por Claire, que se torna musa da história que ele pas- sa a criar. Todos sabemos o que vai suceder. Claire é uma figura da "vida íntima" de que fala o título original. Filmado em Portugal, "The Inner Life of Martin Frost" (a vida íntima de Martin Frost) estranhamente virou, no Brasil, "Kimera - Estranha Sedução".
Se Martin cai de amores por sua musa, quando a história acaba de ser criada, o que ocorre com a moça? No filme, ela morre e, para salvá-la, o autor tem de destruir sua obra. Mas como manter um romance com uma musa que nada inspira?
Para vencer essa interdição, Martin e Claire recebem a inesperada ajuda de outro casal: o encanador e aspirante a escritor James Fortunato (Michael Imperioli) e sua apática musa Anna James (Sophie Auster, filha do diretor). James e Anna representam a contrapartida prosaica da história dramática de Martin e Claire.
O jogo entre realidade e ficção deste filme -cujo entrecho remete ao sensualismo do filósofo David Hume (citado) e a histórias fantásticas do século 19- é interessante, mas o filme resulta primário. Não só porque o enredo demora a chegar ao ponto (a complicação), mas principalmente porque Auster, um bom escritor, mostra falta de familiaridade com a linguagem do cinema. Em seu longa abundam tradicionais planos/ contraplanos e panorâmicas. Auster esforça-se para compor o quadro, movimentar a câmera, criar uma seqüência.
E o esforço transparece, como o exercício de um neófito na sétima arte. Não deveria ser assim. Auster assinou o roteiro de "Cortina de Fumaça", de Wayne Wang, com quem co-dirigiu "Sem Fôlego", dois bons filmes. E dirigiu "O Mistério de Lulu", com Harvey Keitel e Mira Sorvino. Já era hora de ter aprendido.


KIMERA - ESTRANHA SEDUÇÃO
Produção:
França/ Espanha/ Portugal
Direção: Paul Auster
Com: David Thewlis, Irène Jacob, Michael Imperioli
Onde: hoje, às 19h10, no Cinesesc; ter., às 21h50, no Unibanco Arteplex 2; qua., às 20h30, na Cinemateca - sala BNDES
Avaliação: regular

Luciana Coelho critica a "A Culpa é do Fidel!", de Julie Gavras folha.com.br/ilustradanocinema

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