|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Kimera - Estranha Sedução"
Filme de Auster entrega falta de intimidade com o cinema
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de terminar um
romance que lhe tomou três anos, o escritor Martin Frost (David Thewlis) refugia-se em uma casa de
campo para "viver a vida de
uma pedra". Mas, ao acordar
certo dia e encontrar ao lado,
na cama, uma mulher misteriosa (Irène Jacob), é obrigado a
rever os seus planos.
A mulher afirma ser sobrinha
do dono da casa, amigo do autor. Ela exibe a chave da residência. E diz chamar-se Claire
Martin. O sobrenome dela é o
nome do escritor. Essa é só uma
das várias coincidências deste
filme do romancista e cineasta
bissexto Paul Auster -uma
meditação sobre o amor e os
mistérios da vida e da criação.
Martin, naturalmente, apaixona-se por Claire, que se torna
musa da história que ele pas-
sa a criar. Todos sabemos o
que vai suceder. Claire é uma figura da "vida íntima" de que fala o título original. Filmado em
Portugal, "The Inner Life of
Martin Frost" (a vida íntima de
Martin Frost) estranhamente
virou, no Brasil, "Kimera - Estranha Sedução".
Se Martin cai de amores por
sua musa, quando a história
acaba de ser criada, o que ocorre com a moça? No filme, ela
morre e, para salvá-la, o autor
tem de destruir sua obra. Mas
como manter um romance com
uma musa que nada inspira?
Para vencer essa interdição,
Martin e Claire recebem a inesperada ajuda de outro casal: o
encanador e aspirante a escritor James Fortunato (Michael
Imperioli) e sua apática musa
Anna James (Sophie Auster, filha do diretor). James e Anna
representam a contrapartida
prosaica da história dramática
de Martin e Claire.
O jogo entre realidade e ficção deste filme -cujo entrecho
remete ao sensualismo do filósofo David Hume (citado) e a
histórias fantásticas do século
19- é interessante, mas o filme
resulta primário. Não só porque o enredo demora a chegar
ao ponto (a complicação), mas
principalmente porque Auster,
um bom escritor, mostra falta
de familiaridade com a linguagem do cinema. Em seu longa
abundam tradicionais planos/
contraplanos e panorâmicas.
Auster esforça-se para compor
o quadro, movimentar a câmera, criar uma seqüência.
E o esforço transparece, como o exercício de um neófito
na sétima arte. Não deveria ser
assim. Auster assinou o roteiro
de "Cortina de Fumaça", de
Wayne Wang, com quem co-dirigiu "Sem Fôlego", dois bons
filmes. E dirigiu "O Mistério de
Lulu", com Harvey Keitel e Mira Sorvino. Já era hora de ter
aprendido.
KIMERA - ESTRANHA SEDUÇÃO
Produção: França/ Espanha/ Portugal
Direção: Paul Auster
Com: David Thewlis, Irène Jacob, Michael Imperioli
Onde: hoje, às 19h10, no Cinesesc; ter.,
às 21h50, no Unibanco Arteplex 2; qua.,
às 20h30, na Cinemateca - sala BNDES
Avaliação: regular
Luciana Coelho critica a "A Culpa é do Fidel!", de Julie Gavras folha.com.br/ilustradanocinema
Texto Anterior: Crítica/"Go Go Tales": Abel Ferrara funde humor e tensão em obra de resistência Próximo Texto: Artigo: Antagonismos formaram o caleidoscópio tropicalista Índice
|