São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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BIA ABRAMO

Novela dos mutantes afunda na confusão


"Caminhos do Coração" combina policiais, cientistas loucos e artistas de circo

SE A Record quer ganhar audiência com outras armas além das bravatas e da propaganda, é melhor se apressar para salvar "Caminhos do Coração". A boa idéia de fazer uma novela com apelo juvenil e distante da matriz melodramática corre o risco de afundar numa confusão sem precedentes.
"Caminhos do Coração" combina crianças e adolescentes mutantes, policiais corruptos e incorruptos, cientistas loucos, artistas de circo de passado misterioso, executivos implacáveis, malfeitores trapalhões, gays dentro e fora do armário... O que essa gente toda está fazendo numa mesma novela, não se sabe muito bem -para tecer uma trama que fizesse um mínimo de sentido com tantas possibilidades, era preciso um gênio de Holywood ou um roteirista completamente anárquico; a novela, entretanto, não tem nem uma coisa nem outra.
Os personagens estapafúrdios, ao menos, podem ficar engraçados segundo o grau de canastrice de seus atores. Os casos de canastrice involuntária, em geral, resultam melhor, como a vilã de Preta Gil, o rico folgado de André de Biasi, o policial mauricinho de Leonardo Vieira.
Mas é nos diálogos que a coisa pega mesmo. Merchandising constrangedor (uma cena inteira a serviço de uma marca de margarina), conversas em que os personagens repetem uma, duas ou três vezes a mesma frase (quase que palavra por palavra) e explicações científicas ultra-simplificadoras estão entre alguns dos exemplos colhidos de forma mais ou menos aleatória.
Parece que impera uma atitude "para quem é, bacalhau basta", expressão antiga (do tempo em que bacalhau era comida de pobre) que significa que qualquer coisa está bom para aquele considerados inferiores, de alguma forma. E se há um grupo que é sistematicamente tratado como menos exigente, que topa qualquer negócio, que só merece aquilo que, nos gabinetes das emissoras, se imagina que seja do seu gosto, este grupo é o público de TV.
É só pegar carona no sucesso de "Heroes" (que, apesar da competência pop dos seriados americanos, é também incrivelmente canastrona), temperar com efeitos, aproveitar as partes mais aventurescas da experiência bem-sucedida de "Vidas Opostas", juntar umas cenas de sexo completamente descoladas da qualquer lógica na trama e pronto.
Se a idéia é simplesmente disputar no tapa os números de audiência, tudo bem. Vez por outra, esse tipo de estratégia pode colar. Se, por outro lado, a Record quer fazer teledramaturgia de outras maneiras, precisa de mais arroz com feijão.


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