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32ª AMOSTRA DE SP
Crítica/"Ruas da Amargura"
Personagens evitam que documentário seja apenas um filme bem-intencionado
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se você viu o documentário "À Margem da Imagem", de Evaldo Mocarzel, troque São Paulo por Lisboa e terá uma idéia de "Ruas
da Amargura", do veterano cineasta lusitano Rui Simões.
Trata-se aqui de registrar o
dia-a-dia e as idéias de um
punhado de personagens
que vivem nas ruas da capital
portuguesa.
Um vendedor de bilhetes de
loteria fala sobre o seu renitente alcoolismo: "O bichinho está
sempre cá dentro". Uma alentajana que foi ser doméstica em
Lisboa e hoje mora num cortiço
com o filho de 22 anos fala da
infância e das tentativas de suicídio. E por aí vai.
Há até os onipresentes travestis brasileiros, que, enquanto recebem da assistência social seu suprimento de camisinhas, comentam as diferenças
entre trabalhar na Suíça e em
Portugal.
Seria apenas mais um documentário bem-intencionado
sobre os excluídos se não desse
a dois personagens a oportunidade de se mostrar não como
vítimas da sociedade injusta
mas como sujeitos de sua própria vida, dotados de brilho e
transcendência.
Um deles é um barbudo bêbado de uns 50 anos, que já foi
viciado em drogas pesadas
(LSD incluído) e hoje canta de
Led Zeppelin a Charles Aznavour no banco de praça em que
dorme. É tocante a cena em que
ele canta em italiano para uma
ucraniana que trabalha de
guardadora de carros e também vive na rua. É a globalização vista pelo avesso.
Outra figura extraordinária é
uma artista de rua que fala sobre sua auto-análise e suas
aquarelas feitas segundo a técnica da "escrita automática"
surrealista. "Sempre odiei o dinheiro. Queria ser pobre", diz,
sugerindo que sua condição de
sem-teto é voluntária.
Levada a uma exposição de
arte moderna, ela se apaixona
por um quadro de Morandi.
Admiradora de Ingmar Bergman e Marguerite Duras, cita à
sua maneira um verso de "La
Solitude", de Léo Ferré: "A solidão é uma forma superior de
lucidez". Talvez seja. E, nesse
momento, o filme de Rui Santos ascende de Mocarzel a
Eduardo Coutinho.
RUAS DA AMARGURA
Quando: hoje, 20h30, no Centro Cultural São Paulo
Classificação: não indicado a menores
de 12 anos
Avaliação: bom
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