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CINEMA
"Amarelo Manga", dirigido por Cláudio Assis, é desenvolvimento do curta-metragem "Texas Hotel"
Vencedor do Festival de Brasília renova estética dos desvalidos
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O júri do 35º Festival de Cinema de Brasília pode ter errado no varejo, mas acertou no atacado: "Amarelo Manga" foi o
grande filme do evento.
O longa-metragem de Cláudio
Assis é um desenvolvimento de
seu curta "Texas Hotel", que competiu em Brasília em 1999.
Mas aquilo que, no curta, parecia apenas uma sucessão gratuita
de aberrações ambientadas num
cortiço de Recife integra-se, no
longa, a uma narrativa articulada
e plena de sentido.
Os estereótipos grotescos de
"Texas Hotel" viraram, em
"Amarelo Manga", personagens
vivos e cheios de matizes. O próprio hotel, cenário único do curta,
é agora apenas o núcleo principal
da história, que envolve um punhado de párias sociais.
Durante o festival, falou-se muito em Aluísio Azevedo, Lima Barreto e Plínio Marcos para definir a
filiação do filme a uma vertente da
literatura brasileira que dá vez e
voz aos humilhados e ofendidos
da sociedade.
A aproximação mais pertinente
talvez seja mesmo com Plínio
Marcos (mais presente em "Amarelo Manga" do que na versão cinematográfica de sua peça "Dois Perdidos numa Noite Suja").
Assim como na obra do dramaturgo, no filme de Cláudio Assis
os miseráveis não são coitadinhos
à espera da piedade alheia, mas
seres plenos de vida, dispostos a
matar ou morrer para realizar
seus desejos e pulsões.
É o desejo que comanda a ação,
muitas vezes destrambelhada,
dessas criaturas, do empregado
homossexual do hotel (Matheus
Nachtergaele) ao açougueiro
adúltero (Chico Diaz), da solitária
dona de boteco (Leona Cavalli) ao
padre sem igreja, da mulher crente (Dira Paes) ao cinquentão pervertido (Jonas Bloch) que desfila
numa velha Mercedes.
Se continua dando atenção especial aos aspectos sórdidos dessas existências à margem, se privilegia ainda os fluidos e dejetos humanos, Cláudio Assis desbastou
muito do que havia de gratuito
em "Texas Hotel".
Ainda há certos excessos: exibe-se em minúcias o abate de um boi,
uma mulher madura (Conceição
Camarotti) se masturba com uma
máscara de inalação.
Mas esses extremos se diluem
no corpo da narrativa, que entrelaça admiravelmente uma porção
de episódios isolados a duas histórias centrais: a do açougueiro
adúltero e a do assédio do homem
da Mercedes amarela.
Humanização da miséria
Há uma tensão harmoniosa, se
assim se pode dizer, entre a crueza
do universo apresentado e a elegância da câmera e da fotografia
de Walter Carvalho. Não se trata
de estetização da miséria -algo
que sugere distanciamento e conforto na recepção das imagens-,
mas uma espécie de humanização
dos miseráveis por meio da estética. O filme incomoda e eleva ao
mesmo tempo.
Um dos pontos-chave da expressividade plástica de "Amarelo
Manga" é, como sugere seu próprio título, o uso da cor -sobretudo das cores primárias, que estabelecem uma corrente analógica a sublinhar as paixões.
O amarelo da velha Mercedes
que percorre as ruas da velha Recife é o mesmo dos pêlos púbicos
da dona do bar (mostrados num
plano digno de antologia do cinema erótico), estabelecendo uma
atração pré-verbal, pré-racional,
entre os dois personagens.
Do mesmo modo, o vermelho
do sangue dos bois esquartejados
pelo açougueiro parece antecipar
o desfecho rubro e violento de seu
amor adúltero.
Haveria ainda muito a dizer sobre a montagem e a vibrante trilha sonora, mas o espaço é curto.
Cabe lamentar que, na premiação de Brasília, não tenham sido
reconhecidos os grandes trunfos
de "Desmundo": a interpretação
luminosa de Simone Spoladore e
a magnífica direção de arte de
Adrian Cooper.
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