São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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O ano da sorte

Música brasileira teve em 2009 um dos períodos mais férteis da década; nova estética deve pautar futuro

Cipis


MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Atordoada à procura do devido espaço no já velho novo mundo do MP3, da pirataria e da veiculação virtual de música, a grande indústria talvez nem tenha se dado conta do que aconteceu em 2009. O ano que termina na quinta-feira foi um dos mais férteis de toda a década para a música brasileira.
No campo mais concreto dos álbuns lançados, podemos citar alguns dos que devem pautar esteticamente a música a ser feita por aqui nos próximos anos (leia quadro acima).
"Este ano deve ficar para a história da música como ficaram 1959, 1969, 1979 e 1989", profetiza Pena Schmidt, ex-produtor musical de gravadoras que agora faz a programação do Auditório Ibirapuera. "É um sentido prático e óbvio: os anos terminados em nove dão um vislumbre da década que vem pela frente. Dizem muito sobre a música do futuro."
A teoria de Pena pode parecer algo alucinada, mas os dados batem. Foi em 1959 que João Gilberto lançou "Chega de Saudade", LP que inaugurava a bossa nova. Em 1969, Caetano Veloso e Gilberto Gil viviam o auge do tropicalismo, partindo no final do ano para o exílio.
Em 79, houve a explosão das cantoras. Quase 30 delas surgiram nessa virada-de Marina Lima a Ângela RoRo. Muitas se firmaram. O mesmo aconteceu dez anos depois, com Marisa Monte, Cássia Eller, Zélia Duncan e Adriana Calcanhotto.
O problema de 2009 é que poucos dos bons trabalhos do ano chegaram aos ouvidos do grande público. Feitos com pouco dinheiro, eles não têm a força da indústria para tocar no rádio ou na novela das oito.
Dependem, portanto, do palco para acontecer. Para Alexandre Youssef, do Studio SP, as casas são fundamentais na nova economia da música. "Hoje, os shows fazem com que o artista consiga viver de música."

Estética 2009
"Música boa o Brasil voltou a produzir. Só é preciso avisar ao público", diz Romulo Fróes, que, neste ano, autoproduziu "No Chão sem o Chão". Para ele, a estética de artistas desta geração já influencia veteranos.
"Caetano Veloso, por exemplo. Por intermédio de seu filho Moreno e amigos, ele travou contato com uma sonoridade de rock diferente. Isso levou a uma mudança lírica", diz.
A observação de Romulo sugere que já exista uma estética musical da década. Produtores gostam de dizer que a estética de 2009 é "a da mistura".
É mais ou menos o que defende Fernando Catatau, guitarrista do Cidadão Instigado e responsável pela produção do novo CD de Arnaldo Antunes.
Para ele, a profusão de produtores em atividade -privilégio de uma geração sem domínio pela indústria- cria uma cena "mais desmoronada, sem muita amarra no som". "Caminhamos juntos por estradas diferentes", diz Catatau.
Produtor dos trabalhos de Rodrigo Campos e Céu, Beto Villares arrisca ainda mais na análise. "Acho que uma marca [do nosso tempo] seja algo de retrô, de antigo. Um som velho, gostoso, quente, valvulado."
Kassin, que em 2009 cuidou dos discos de Mallu Magalhães e Mariana Aydar, aposta: começamos a nos afastar da movimentação sambista que, a partir da revitalização da Lapa carioca, dominou a música pop.
"Chegou um ponto em que soar brasileiro já era considerado um mérito. E não é bem assim. Música tinha virado "resgate", parecia aula de OSPB."
Segundo seu raciocínio, 2009 já tem a marca de um ufanismo reavaliado. "Espero que as coisas não voltem a ser [antibrasileiras] como eram. E acho que não voltarão. O que a gente fez até aqui foi muito bem feito."


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