São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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Carioca ganha Saatchi e mercado internacional

Eduardo Berliner teve quatro obras compradas pelo famoso galerista britânico

Vencedor do prêmio Marcantonio Vilaça, artista tornou-se um dos brasileiros mais requisitados entre colecionadores pelo mundo


SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Um vendaval em Laranjeiras revirou os vasos de plantas na porta das casas. Em Botafogo, bairro carioca próximo dali, não demorou para esses vasos ressurgirem nas telas de Eduardo Berliner.
O artista reconstrói fragmentos tortos da realidade em suas telas. Dos vasos revirados a pés de feijão que nascem do rosto de um menino, passando por bandeirolas de promoções imobiliárias, ele explora uma arquitetura cotidiana ao mesmo tempo banal e bizarra.
Berliner se tornou um dos artistas brasileiros mais requisitados no cenário internacional. Há filas de colecionadores para adquirir suas obras. Charles Saatchi, famoso galerista britânico, comprou quatro nos últimos meses de 2009.
Na esfera da crítica, esse carioca venceu o prêmio Marcantonio Vilaça, o mais importante das artes plásticas no país.
Mas o apetite do mercado e os afagos de críticos parecem passar longe do microcosmo de seu ateliê. "A potência do meu trabalho vem de não saber muito o que eu estou fazendo", diz Berliner, 31, entre máscaras de lobo e recortes de jornal e revista que decoram o lugar. "Isso fertiliza a pintura, contamina, leva o desenho a outro lugar."
É uma rota direta entre os refugos da realidade e a estranheza mordaz dos quadros. Num mural, está a fotografia dele e do sobrinho deitados num gramado. Em outra imagem, há um carro de portas abertas na neblina. Esses fragmentos se juntam numa grande tela em que a figura dele e da criança se transformam em criatura de quatro pernas, e o carro vira uma nave fantasmagórica.
"Essa situação é muito estranha e muito normal", resume. "O estranho tem a ver com aquilo que eu nunca faria ou não pensaria nunca em fazer."
Outra tela surgiu do dia em que viu, na porta do ateliê, um pedreiro trabalhando no meio de um monte de terra. "Eram oito da manhã, eu desci até a rua com um monte de objetos e pedi para ele pôr essa máscara", lembra Berliner. "É a mudança de contexto que faz você ver coisas que você não veria."
Se, por um lado, as paisagens dos quadros lembram a placidez enganosa de Peter Doig, sempre à beira de uma tempestade, esse realismo absurdo parece seguir os traços do belga James Ensor -não é coincidência a obsessão de Berliner por máscaras-, a navalha crua de Courbet e os horrores nos quadros de Hyeronimus Bosch.
Mas Berliner não é um pintor. É uma espécie de antiarquiteto da realidade. Persegue as sobras, e não as estruturas. E reinventa o real a partir de um olhar que caça o periférico.
"Meu assunto é estar vivo", diz. "E meu trabalho é olhar para as coisas. É uma extensão desse meu estar vivo."


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