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Carioca ganha Saatchi e mercado internacional
Eduardo Berliner teve quatro obras compradas pelo famoso galerista britânico
Vencedor do prêmio Marcantonio Vilaça, artista tornou-se um dos brasileiros mais requisitados entre colecionadores pelo mundo
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Um vendaval em Laranjeiras
revirou os vasos de plantas na
porta das casas. Em Botafogo,
bairro carioca próximo dali,
não demorou para esses vasos
ressurgirem nas telas de
Eduardo Berliner.
O artista reconstrói fragmentos tortos da realidade em suas
telas. Dos vasos revirados a pés
de feijão que nascem do rosto
de um menino, passando por
bandeirolas de promoções
imobiliárias, ele explora uma
arquitetura cotidiana ao mesmo tempo banal e bizarra.
Berliner se tornou um dos artistas brasileiros mais requisitados no cenário internacional.
Há filas de colecionadores para
adquirir suas obras. Charles
Saatchi, famoso galerista britânico, comprou quatro nos últimos meses de 2009.
Na esfera da crítica, esse carioca venceu o prêmio Marcantonio Vilaça, o mais importante
das artes plásticas no país.
Mas o apetite do mercado e
os afagos de críticos parecem
passar longe do microcosmo de
seu ateliê. "A potência do meu
trabalho vem de não saber muito o que eu estou fazendo", diz
Berliner, 31, entre máscaras de
lobo e recortes de jornal e revista que decoram o lugar. "Isso
fertiliza a pintura, contamina,
leva o desenho a outro lugar."
É uma rota direta entre os refugos da realidade e a estranheza mordaz dos quadros. Num
mural, está a fotografia dele e
do sobrinho deitados num gramado. Em outra imagem, há
um carro de portas abertas na
neblina. Esses fragmentos se
juntam numa grande tela em
que a figura dele e da criança se
transformam em criatura de
quatro pernas, e o carro vira
uma nave fantasmagórica.
"Essa situação é muito estranha e muito normal", resume.
"O estranho tem a ver com
aquilo que eu nunca faria ou
não pensaria nunca em fazer."
Outra tela surgiu do dia em
que viu, na porta do ateliê, um
pedreiro trabalhando no meio
de um monte de terra. "Eram
oito da manhã, eu desci até a
rua com um monte de objetos e
pedi para ele pôr essa máscara",
lembra Berliner. "É a mudança
de contexto que faz você ver
coisas que você não veria."
Se, por um lado, as paisagens
dos quadros lembram a placidez enganosa de Peter Doig,
sempre à beira de uma tempestade, esse realismo absurdo parece seguir os traços do belga
James Ensor -não é coincidência a obsessão de Berliner
por máscaras-, a navalha crua
de Courbet e os horrores nos
quadros de Hyeronimus Bosch.
Mas Berliner não é um pintor. É uma espécie de antiarquiteto da realidade. Persegue
as sobras, e não as estruturas. E
reinventa o real a partir de um
olhar que caça o periférico.
"Meu assunto é estar vivo",
diz. "E meu trabalho é olhar para as coisas. É uma extensão
desse meu estar vivo."
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