São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

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Filme expõe Rangel em busca de teatro nacional

Documentário de Paola Prestes será lançado em DVD no começo de 2010

"Flávio Rangel - O Teatro na Palma da Mão", com Paulo Autran, reconstitui história recente das artes cênicas brasileiras


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor Flávio Rangel (1934-1988) buscava um teatro comunicativo, mas também refinado, atento a filigranas de figurino, cenário e iluminação.
Perseguia uma teatralidade "absolutamente brasileira", um estilo nacional de interpretação, sem, com isso, contrair ranços ufanistas. Os textos que escolhia montar podiam ser de autores estrangeiros, desde que dissessem algo sobre a realidade local.
O percurso do encenador, que coincide com momentos-chave das artes cênicas brasileiras da segunda metade do século 20, é revisto no documentário "Flávio Rangel - O Teatro na Palma da Mão", de Paola Prestes, exibido na Mostra Internacional de São Paulo e que será lançado em DVD pela Biscoito Fino no começo de 2010.
Natural de Tabapuã, no interior paulista, Rangel descobriu o teatro na capital, numa montagem de "A Falecida", de Nelson Rodrigues. Em 1954, um debate após a peça "O Canto da Cotovia", dirigida por Gianni Ratto, apresentou-o a Manoel Carlos, Fábio Sabag e Fernanda Montenegro, entre outros.
O primeiro logo o chamou para comandar uma produção amadora; o segundo confiou a ele um infantil. Rangel também começou a assinar teleteatros.

Brecht
O ponto de inflexão, como mostra o filme, é "Gimba, o Presidente dos Valentes", texto de Gianfrancesco Guarnieri que o diretor leva à cena em 1959, com boa acolhida da crítica. Em excursão pela Europa, o espetáculo ganha o prêmio de melhor obra popular, e Rangel, então com 25 anos, o segundo lugar na categoria de diretor. Perde para Bertolt Brecht, o próprio. Por um voto.
Na volta ao Brasil, é cobiçado por várias companhias, mas se decide pelo Teatro Brasileiro de Comédia, onde será o primeiro diretor artístico brasileiro. Ali, dá cores brasileiras ao grupo, visto com contrariedade em alguns círculos por praticamente ignorar a dramaturgia nacional. Emenda "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes, "A Semente", de Guarnieri, e "A Escada", de Jorge Andrade.
Em 65, a repercussão de "Liberdade, Liberdade", manifesto contra toda forma de opressão que ele (já fora do TBC) assina com Millôr Fernandes, confirma seu nome na dianteira da cena nacional. Ele sabe de que repressão fala: até 70, será preso cinco vezes.
No documentário, o protagonista, Paulo Autran, conta que foi com "Liberdade..." que tomou consciência da função social do teatro.
Em depoimentos à cineasta ou textos lidos, outras figuras que se despediram dos palcos nos últimos anos, como Sérgio Viotti, Francarlos Reis e Ratto, também ajudam a reconstituir a história recente das artes cênicas brasileiras. A produção do filme, vale lembrar, começou em 2003.
Já consagrado, Rangel dirige, em 69, a última peça de Cacilda Becker, "Esperando Godot". A atriz morre um mês depois de ter um aneurisma cerebral quando estava em cena.
Na década seguinte, ele irá do musical "A Capital Federal", de Arthur Azevedo, ao intimismo de "À Margem da Vida", de Tennessee Williams.
Nos anos 80, virão "Amadeus", "Piaf" e "Cyrano de Bergerac", fechando um currículo que endossa com precisão a sua fala: "Acredito firmemente na imortalidade do teatro".


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