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O ano das esperanças em declínio
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
²
A pesquisa indicando um
apoio maciço a Clinton é um
raio de bom senso no imbróglio
americano. O presidente deve
sobreviver no cargo assim como
seu adversário de plantão, Saddam Hussein.
Talvez seja hora de investigar
como foi possível termos chegado a isto, no fim do século 20.
Não tenho a pretensão de chegar às causas, mas tive uma intuição de que o livro de Paul
Krugman ("The Age of Diminished Expectations") pode oferecer algumas pistas.
Não era a intenção de Krugman desfazer este nó que une
Clinton, Monica e Saddam
Hussein, nem explicar esse festival do quem está comendo
quem, inaugurado pelos moralistas republicanos e retomado
agora por Larry Flynt, dono da
"Hustler" e personagem de um
grande filme, "O Povo contra
Larry Flynt".
A constatação de Krugman é
simples: apesar da formação de
grandes fortunas nos últimos
tempos, a família média americana ganha apenas um pouco
mais do que ganhava há 20
anos.
Nas gerações anteriores, os
norte-americanos sempre confiavam que as coisas seriam melhores, indivíduos poderiam
contar com aumento de renda e
prever para seus filhos melhores
condições sociais. As grandes esperanças foram substituídas
por uma estóica aceitação da
realidade.
Não houve um salto no pessimismo. Para isso, contribuiu a
excelente performance na oferta de empregos. Depois de um
índice de 7,2% de desemprego
no verão de 92, esse número
vem caindo e, no meio dos anos
90, alcançava 5,3%, um quase
recorde positivo nos últimos 20
anos. A retomada da economia
abriu mais de 10 milhões de empregos.
Embora Krugman não especule sobre o tema, essa queda de
expectativas na economia americana pode ter um peso no
comportamento do governo.
Ninguém tem condições de prever em que direção uma variável econômica pode determinar
comportamentos, mas é provável que a ausência de um enriquecimento constante pode dar
lugar a um desejo de purificação moral. Talvez de forma intuitiva, a minoria republicana
quer jogar as cartas de uma purificação moral, mas as pesquisas indicam que esse caminho
não é o mais provável.
No Brasil, onde há ainda uma
certa elasticidade nas esperanças, o ano de 99 deve ser o das
expectativas declinantes. A primeira vítima nessas conjunturas históricas são as lutas salariais: elas praticamente dão lugar a uma concentração na defesa do emprego, unindo empresários e trabalhadores.
O desejo de melhoria de condições de vida é permanente.
Ele não desaparece, mas procura se ajustar à realidade, adia
sua gratificação à espera de melhores momentos.
Supondo que a superação da
conjuntura negativa não seja
possível a curto prazo, outras
expectativas podem encontrar
seu espaço. Mas quais expectativas?
Dois campos, meio ambiente e
direitos humanos, podem ser
campos de experiência. Se não
se pode enriquecer num determinado momento, não seria
conveniente dedicar-se também
a outro tipo de aperfeiçoamento. É ingênuo pensar que direitos humanos e meio ambiente
não precisem de recursos para
funcionar.
No entanto, no caso brasileiro,
os níveis de consciência ambiental e respeito aos direitos
humanos estão abaixo do enriquecimento material existente.
Podem crescer sem depender
mecanicamente da economia.
Outra vítima das conjunturas
negativas são os investimentos
estratégicos. O Brasil cortou a
contrapartida do Plano Piloto
do Grupo dos 7, um projeto de
desenvolvimento sustentável na
Amazônia. Ora, essa experiência, que conta, por assim dizer,
com uma decisão política internacional, é uma ajuda para definir um caminho para uma das
regiões mais discutidas do planeta.
Considerando que a maior
parte do dinheiro vem de fora, e
que o Brasil colocaria pouco
mais de R$ 6 milhões, a retomada do Plano Piloto emerge como
uma possibilidade em tempo de
crise, pois custa muito menos do
que pode realmente devolver ao
país.
Uma terceira e importante vítima: a vontade de ousar.
A idéia que parece predominar é a de que, com pouco dinheiro, o melhor é ter poucas
idéias e trabalhar com gente
que vê apenas um palmo na
frente do nariz.
Esta encruzilhada no Brasil é
interessante porque o pior ano
da década acontece no começo
de um novo governo. Mais do
que a escolha dos novos ministros, deveria existir uma curiosidade sobre como vão se comportar nos próximos anos.
O Congresso deveria chamar a
maioria para se explicar. Ministros entram e saem do Congresso sem que sua passagem seja
registrada. O ano que está começando merecia uma discussão. Claro que essa discussão
prioritária se dará no campo
econômico.
Mas não pode ser considerado
herético discutir os caminhos da
cultura num mundo integrado
como hoje.
Qual o espaço dos brasileiros
nesse mundo, até que ponto a
cultura não deve ser considerada um dos grandes recursos a se
mobilizar num tempo de crise?
Nos EUA, é possível se detectar
a estagnação na renda da família média e um grande debate
sobre quem está comendo
quem. Tenho muito medo de
que nossa crise possa nos conduzir também para perguntas
erradas, para a perda de tempo.
Não temo por cruzadas morais no Brasil. Temo apenas
que, vendo o país depender de
empréstimos internacionais, ser
apontado como gigante que
precisa ser escorado para não
cair, as pessoas se resignem com
a pobreza das propostas da política institucional e desistam
de buscar novos espaços.
Pode-se contestar esse raciocínio, argumentando que a queda das esperanças tem seus pontos positivos. Mas isso para
quem decide filosoficamente
pelo seu abandono. O que temo
é um vazio criado pela defensiva econômica e que a única resposta em cena acabe sendo as
religiões, com seus pastores carismáticos e padres cantores.
Pelo menos, o ano de 1999,
com as guitarras católicas e os
hinos das inúmeras igrejas que
prosperam no Brasil, estará
lançando esta questão no ar: se
a economia não é tudo, que outros valores podem coexistir
com ela?
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