São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
REFORMINHAS Bela de nascimento, a estudante de moda Lory, 20, repaginou, com apenas 16 anos, os seios, o nariz, e ainda quer fazer lipoaspiração no culote; para especialistas, a plástica precoce pode prejudicar o amadurecimento do jovem

Teens entram na faca

Explode número de adolescentes que aproveitam férias escolares para fazer plástica; clínicas faturam, psicólogo e Pitanguy condenam

Em julho do ano passado, quando ainda tinha 17 anos, a estudante Cristiane Nardoni decidiu redesenhar as formas que a natureza mal tinha acabado de amadurecer. "Eu ganharia um carro de aniversário, mas mudei de idéia. Decidi pedir uma lipoaspiração de presente", conta a jovem de 18.

 

O enxugamento foi geral: pneuzinhos, culotes, coxas e mamas, em duas cirurgias. No total, lá se foram 10 litros de gordura -o equivalente a cinco garrafas pet- e quatro números no manequim, que virou 42.
 

"Eu me olhava no espelho e não ficava feliz. Hoje estou mais segura, posso usar miniblusa." O preço da mudança se aproxima ao de um carro popular, mas Cristiane acha que valeu a pena. "Carro eu pego o do meu pai. O importante é estar bem comigo", avalia a jovem, que também está de cabelo novo: desmanchou os cachos com uma escova progressiva.
 

Ela não está sozinha na decisão. No último ano, 80 mil jovens brasileiros, com idades entre 14 e 18 anos, entraram na faca para remodelar o corpo. São cerca de 220 adolescentes por dia. O número corresponde a 13% do total de todas as cirurgias plásticas feitas no país -era 5% em 1994.
 

Janeiro, fevereiro e julho, tempo de férias escolares, são os meses prediletos para a "reforma". É quando os estudantes aproveitam a distância dos amigos ou a mudança de escola para dar uma repaginada sem que ninguém perceba ou fofoque.
 

Para o psicólogo Arnaldo Cheixas Dias, mestre em neurociência e comportamento pela Universidade de São Paulo, a moda é "preocupante". "Na adolescência, a identidade ainda está em formação. O jovem só amadurecerá de verdade se aprender a lidar com as próprias limitações", diz ele.
 

"Não que a plástica seja sempre negativa, mas ela tem efeitos indefinidos na personalidade, porque o adolescente, que já não sabe quem é, vai adiar o enfrentamento de suas diferenças", defende o psicólogo.
 

"É isso mesmo. A sociedade cobra que a mulher seja magra", reclama a produtora de TV Isabela Chaguri, 20, que passou por uma lipoaspiração na barriga aos 16. "Tirei 600 ml de gordura na "semana do saco cheio" e voltei às aulas renovada. A sociedade pressiona", desabafa.
 

O cirurgião plástico Leonard Bannet, da clínica Santé, concorda com ela: "Uma garota que concorre no mercado amoroso quer ter um corpo compatível". Ele não vê problemas em contar, por exemplo, que já "lipou" jovens na faixa dos 14 anos.
 

Para o cirurgião da clínica Santé, de São Paulo, "a cirurgia é até um estímulo para a pessoa fazer esportes, porque ela vai à academia, só vê beldades e acaba desanimando".
 

Bannet se diz "criterioso" na hora de aceitar um paciente de pouca idade. "O critério é o desenvolvimento corporal. Se o adolescente já está desenvolvido, pode fazer lipoaspiração. Não tem razão para esperar."
 

Referência internacional na cirurgia plástica, o médico Ivo Pitanguy é reticente. "Uma cirurgia da chamada "orelha de abano", por exemplo, pode ser feita aos oito anos de idade. Isso é um defeito, que não se pode deixar de corrigir. O que não dá é para colocar silicone em uma adolescente que já tem a mama bonita só porque é moda."
 

"Adolescente gordinho, então, não pode nem pensar em fazer lipoaspiração", decreta o mestre. Pitanguy também é cauteloso quanto às quantidades. "Lipoaspiração não é para emagrecer. É para se tirar até dois, três litros de gordura", diz.
 

Rony Breuel, 18, foi operado aos 17, quando aproveitou as férias entre o fim do colégio e o início da faculdade para fazer lipo na barriga e no pescoço. "Eu fazia abdominal e nada de perder a gordurinha", conta, sob os olhos atentos da mãe, a cirurgiã plástica Lorití Breuel, que dispara: "Ainda acho que ele também poderia "fazer" o nariz".
 

A própria Lorití, aliás, é um mostruário vivo de sua clínica. Já fez três lipos, arrebitou o nariz, siliconou as maçãs do rosto, lifting foram duas, operou as pálpebras inferiores, levantou e reduziu os seios e, acredite, aplicou Botox duas dezenas de vezes no rosto. "Agora tenho uma expressão mais leve", acha.
 

Na clínica da cirurgiã, no bairro paulistano do Itaim Bibi, colocar silicone sai entre R$ 10.000 e R$ 15 mil; fazer lipo, de R$ 5.000 a R$ 18 mil; reformar o nariz, de R$ 12 mil a R$ 15 mil. Os adolescentes são 30% da clientela. "Tem uns que querem fazer muito cedo, mas não deixo. Minha filha queria colocar silicone com 13 anos, mas não permiti. Ela só conseguiu me convencer aos 16", contabiliza.
 

A filha em questão é a estudante de moda Lory, 20 anos, que exibe nariz afinado e seios turbinados com próteses de 230 ml . "Eu sempre quis ter essa forma de mulher. Se pudesse, teria feito tudo antes", diz ela.
 

A luta continua: "Acho que ela precisa fazer uma lipo no culote", aponta a mãe. "Vou fazer, sim. Nosso cartão de visitas é o nosso corpo", concorda Lory.


Texto Anterior: Televisão: Lente de Scorsese redimensiona Dylan em documentário
Próximo Texto: DVDs - Seriado: Em 5º e 6º ano de "Seinfeld", é George quem domina cena
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.