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"Área de museu do MinC é stalinista"
Para Paulo Herkenhoff, Ministério da Cultura não está aparelhado tecnicamente e, em alguns casos, exerceu censura
Curador defende que lei sobre heranças mude; "se o artista morre, tem que ir uma parte de suas obras para museus públicos"
DA REPORTAGEM LOCAL
A seguir, a continuação da
entrevista com o curador e crítico de arte Paulo Herkenhoff.
(MARIO GIOIA E SILAS MARTÍ)
FOLHA - O MinC poderia ajudar no
caso do Masp?
HERKENHOFF - Ajudar como?
Um diretor de museu do Iphan
ganha R$ 1.500 por mês. O
MinC não está aparelhado tecnicamente para melhorar o
Masp. Eu não vejo como ajudar.
O que o ministério vai fazer?
Dar dinheiro como está dando
para seus museus federais?
Acho que o museu tem a rara
oportunidade de ser um museu
da sociedade civil, sabe? Imagine se o museu, de alguma maneira, tivesse um convênio com
a Fiesp, de gestão? Ou com o
sistema de organizações sociais, que é tão bom.
FOLHA - E a proposta que o Masp
fez ao poder público, oferecendo
uma vaga no conselho gestor em
troca de dinheiro?
HERKENHOFF - O que o Ministério da Cultura vai dizer? Sabe
quem dirige os museus no Ministério da Cultura? A origem
dessa pessoa [José do Nascimento Junior]? É um stalinista. Tinha uma pessoa que mandava os e-mails da diretora do
Museu Imperial para ele em
Brasília, à revelia dela, sem que
ela soubesse. Isso é censura. É
isso que se quer? Quer dizer, o
Ministério da Cultura não está
aparelhado para opinar. Quem
é que fica nesse ministério na
área de museus? Acho que o Gil
está fazendo um trabalho ótimo nas outras áreas, mas na
área de museus, me desculpe.
Eu não vejo aí uma posição ética. Cancelaram uma exposição
do Xico Stockinger porque não
gostavam do curador. Isso para
mim tem um nome: censura.
Foi um dos motivos por que eu
saí. Esse ministério é o quê?
E Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso para os
museus federais foram a mesma pessoa. O Museu Nacional
de Belas Artes (MNBA) é um
órgão federal, mas o ministério
então deu R$ 15 milhões para a
Pinacoteca, que é um órgão estadual. Deu zero para o MNBA,
que era uma instituição de sua
responsabilidade.
FOLHA - Como você recebeu a notícia de uma "Bienal do vazio"?
PAULO HERKENHOFF - Evidentemente o vazio é uma questão
importante do século 20. O vazio está em Heidegger, na arte
da Lygia Clark nos anos 50, da
Mira Schendel nos anos 60. O
vazio está na incompletude que
move o desejo... Mas na situação concreta da Bienal de São
Paulo é uma solução de economia de tempo institucional,
porque, realmente, me parece
extraordinário que a instituição tenha demorado um ano
para escolher seu curador, a
ponto de inviabilizar sua presença. Isso para mim é um dado
real, concreto, que precisava de
uma resposta. Evidentemente
que as duas opções seriam: ou
adiar a próxima Bienal por um
ano, para que o nosso curador
[Ivo Mesquita] tivesse mais
tempo ou fazer algo que não
comprometesse a Bienal em
sua condição de evento artístico, porque eu acho que é uma
solução significativa expor o
vazio como o melhor espaço
para discutir o futuro da instituição. Imagino que haja algumas frustrações. As pessoas vinham se preparando com mais
antecedência para o período da
Bienal. O mercado sempre tem
boas vendas durante esse período. Mas eu vejo como um
processo que vai ser produtivo.
FOLHA - Isso então não compromete a Bienal?
HERKENHOFF - O fato de não ter
uma exposição para mim não é
um comprometimento, pelo
contrário. Para mim é uma demonstração de que a instituição está se pensando e nisso
acho que a instituição se torna
o termômetro das grandes exposições atuais. Eu não sei se eu
gostaria de fazer uma exposição grande hoje, se isso me desafia. E a Bienal precisa, de fato,
se pensar. Será que ela deve ser
bienal? Não deveria ser trienal?
Talvez o que o modelo esteja
indicando é que dois anos é
muito pouco tempo para organizar um evento do porte da
Bienal de São Paulo.
FOLHA - Mas a Bienal sempre ocorreu dessa forma.
HERKENHOFF - Sim, mas foi sempre feito bem? Será que não tinha uma mecânica cega que
permitia que se realizasse, que
eram as representações nacionais? A Bienal sempre foi aberta porque chegava o dia de
abrir. Então, quer as obras tivessem chegado ou não, sempre abriu porque estava na hora
de abrir. Mas a minha pergunta
é se não havia um mecanismo
de suas representações nacionais que enchia o prédio e permitia isso. Eu acho que o modelo constituído pela Lisette
[Lagnado, curadora da 27ª Bienal, em 2006], que é um modelo que eu também queria, a extinção das representações nacionais, dá à Bienal a oportunidade de construir um discurso
mais firme, mais articulado,
num edifício extraordinário.
Isso faz a Bienal hoje a mais importante exposição do mundo.
FOLHA - Mais do que a Bienal de
Veneza?
HERKENHOFF - Mais do que Veneza, sem dúvida. Veneza sobrevive do seu status e também
do charme da cidade. Afinal todo mundo gosta de ir de dois
em dois anos a Veneza. É um
grande prazer. Mas Veneza não
tem o poder de articulação que
tem a Bienal de São Paulo. Das
três grandes exposições, eu
sempre disse que a Bienal de
São Paulo era a única grande
exposição do mundo que tinha
uma cidade por trás. Os principais formadores de opinião estão em São Paulo, apesar de
muitos terem cabeças muito
modernistas, nem sempre voltadas para a arte contemporânea. Mas São Paulo é o grande
modelo para o futuro.
FOLHA - Comente um pouco suas
dificuldades na preparação da 24ª
Bienal, sobre a antropofagia, que foi
uma edição da mostra elogiada em
plano internacional.
HERKENHOFF - Naquela Bienal,
houve um conjunto de fatores
positivos, que foram mais fortes que os negativos de uma
Bienal. Temos de destacar as figuras de Júlio Landmann [ex-presidente da Fundação Bienal], Adriano Pedrosa [curador-adjunto da 24ª Bienal],
Evelyn Ioschpe [responsável
pelo projeto educativo] e Paulo
Mendes da Rocha [que planejou o espaço expositivo]. Depois, havia uma conjuntura
econômica muito favorável. O
dólar estava em paridade com o
real e tudo isso foi muito positivo. Nós teríamos, finalmente,
uma Bienal pensada a partir do
Brasil. A Bienal foi sempre lugar de atualização do Brasil
com o mundo. Naquele momento, a idéia era a seguinte:
dizer ao mundo que nós temos
uma tradição, servir o biscoito
fino, como falava Oswald de
Andrade. Eu acho que o sucesso dela também aconteceu porque não houve nenhum pacote.
Não houve nenhuma exposição
que veio fechada. Cada obra foi
batalhada, negociada. Eram
obras de 110 museus.
FOLHA - Há um grande interesse
por arte latino-americana hoje no
mundo e obras importantes têm saído do Brasil. Como você avalia a política de aquisições das instituições
nacionais?
HERKENHOFF - Sem uma mudança na legislação fiscal relativa a
obras de arte, as instituições
vão continuar paupérrimas.
Hoje os críticos dizem que os
museus não compram. O que é
isso? Se o artista morre, tem
que ir uma parte de suas obras
para museus públicos. É assim
em todos os países. É necessária uma reforma urgente dessa
questão no Brasil. A Lei Rouanet hoje é uma espécie de colesterol da cultura porque criou
uma série de mecanismos que
estão borrando o perfil de um
museu. Você opera com um relógio acelerado, submetido ao
diretor de um banco.
Museu é uma instituição que
coleta obras de arte, que cataloga, que registra, que conserva,
que estuda, que expõe. Se de repente você não tem o acervo,
mas tem a exposição, isso não é
museu. Se você tem o acervo e
não expõe, isso não é museu. Se
você tem acervo, exposição,
mas não tem pesquisa, que é
uma parte fundamental de museu, não é museu. Museu é um
lugar de construção de pensamento, história e crítica.
Acho que daqui a alguns anos
nós vamos precisar viajar para
ver arte brasileira.
FOLHA - Você acha que essa valorização de brasileiros no exterior não
está muito centrada em Hélio Oiticica e Lygia Clark? Volpi, por exemplo,
não tem o mesmo reconhecimento.
HERKENHOFF - Acho que há um
incômodo muito grande em
São Paulo com o sucesso do Hélio e da Lygia. Eles têm valor
porque eles são extraordinários. Não quer dizer que os outros também não tenham direito a isso. Mira Schendel vai ter
uma exposição no MoMA. O
Volpi chegará lá. Existe Volpi
na coleção Cisneros por indicação minha. São de primeiríssima linha. O Reina Sofía, de Madri, adquiriu Volpi. Agora, o
Volpi tem um problema semelhante ao Guignard, uma leitura reducionista que se faz no
hemisfério Norte desses dois
artistas, que tendem a ser considerados artistas ingênuos.
Leia a íntegra da entrevista
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