São Paulo, terça-feira, 29 de janeiro de 2008

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"Área de museu do MinC é stalinista"

Para Paulo Herkenhoff, Ministério da Cultura não está aparelhado tecnicamente e, em alguns casos, exerceu censura

Curador defende que lei sobre heranças mude; "se o artista morre, tem que ir uma parte de suas obras para museus públicos"

DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, a continuação da entrevista com o curador e crítico de arte Paulo Herkenhoff. (MARIO GIOIA E SILAS MARTÍ)

 

FOLHA - O MinC poderia ajudar no caso do Masp?
HERKENHOFF -
Ajudar como? Um diretor de museu do Iphan ganha R$ 1.500 por mês. O MinC não está aparelhado tecnicamente para melhorar o Masp. Eu não vejo como ajudar. O que o ministério vai fazer? Dar dinheiro como está dando para seus museus federais?
Acho que o museu tem a rara oportunidade de ser um museu da sociedade civil, sabe? Imagine se o museu, de alguma maneira, tivesse um convênio com a Fiesp, de gestão? Ou com o sistema de organizações sociais, que é tão bom.

FOLHA - E a proposta que o Masp fez ao poder público, oferecendo uma vaga no conselho gestor em troca de dinheiro?
HERKENHOFF -
O que o Ministério da Cultura vai dizer? Sabe quem dirige os museus no Ministério da Cultura? A origem dessa pessoa [José do Nascimento Junior]? É um stalinista. Tinha uma pessoa que mandava os e-mails da diretora do Museu Imperial para ele em Brasília, à revelia dela, sem que ela soubesse. Isso é censura. É isso que se quer? Quer dizer, o Ministério da Cultura não está aparelhado para opinar. Quem é que fica nesse ministério na área de museus? Acho que o Gil está fazendo um trabalho ótimo nas outras áreas, mas na área de museus, me desculpe.
Eu não vejo aí uma posição ética. Cancelaram uma exposição do Xico Stockinger porque não gostavam do curador. Isso para mim tem um nome: censura.
Foi um dos motivos por que eu saí. Esse ministério é o quê?
E Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso para os museus federais foram a mesma pessoa. O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) é um órgão federal, mas o ministério então deu R$ 15 milhões para a Pinacoteca, que é um órgão estadual. Deu zero para o MNBA, que era uma instituição de sua responsabilidade.

FOLHA - Como você recebeu a notícia de uma "Bienal do vazio"?
PAULO HERKENHOFF -
Evidentemente o vazio é uma questão importante do século 20. O vazio está em Heidegger, na arte da Lygia Clark nos anos 50, da Mira Schendel nos anos 60. O vazio está na incompletude que move o desejo... Mas na situação concreta da Bienal de São Paulo é uma solução de economia de tempo institucional, porque, realmente, me parece extraordinário que a instituição tenha demorado um ano para escolher seu curador, a ponto de inviabilizar sua presença. Isso para mim é um dado real, concreto, que precisava de uma resposta. Evidentemente que as duas opções seriam: ou adiar a próxima Bienal por um ano, para que o nosso curador [Ivo Mesquita] tivesse mais tempo ou fazer algo que não comprometesse a Bienal em sua condição de evento artístico, porque eu acho que é uma solução significativa expor o vazio como o melhor espaço para discutir o futuro da instituição. Imagino que haja algumas frustrações. As pessoas vinham se preparando com mais antecedência para o período da Bienal. O mercado sempre tem boas vendas durante esse período. Mas eu vejo como um processo que vai ser produtivo.

FOLHA - Isso então não compromete a Bienal?
HERKENHOFF -
O fato de não ter uma exposição para mim não é um comprometimento, pelo contrário. Para mim é uma demonstração de que a instituição está se pensando e nisso acho que a instituição se torna o termômetro das grandes exposições atuais. Eu não sei se eu gostaria de fazer uma exposição grande hoje, se isso me desafia. E a Bienal precisa, de fato, se pensar. Será que ela deve ser bienal? Não deveria ser trienal?
Talvez o que o modelo esteja indicando é que dois anos é muito pouco tempo para organizar um evento do porte da Bienal de São Paulo.

FOLHA - Mas a Bienal sempre ocorreu dessa forma.
HERKENHOFF -
Sim, mas foi sempre feito bem? Será que não tinha uma mecânica cega que permitia que se realizasse, que eram as representações nacionais? A Bienal sempre foi aberta porque chegava o dia de abrir. Então, quer as obras tivessem chegado ou não, sempre abriu porque estava na hora de abrir. Mas a minha pergunta é se não havia um mecanismo de suas representações nacionais que enchia o prédio e permitia isso. Eu acho que o modelo constituído pela Lisette [Lagnado, curadora da 27ª Bienal, em 2006], que é um modelo que eu também queria, a extinção das representações nacionais, dá à Bienal a oportunidade de construir um discurso mais firme, mais articulado, num edifício extraordinário. Isso faz a Bienal hoje a mais importante exposição do mundo.

FOLHA - Mais do que a Bienal de Veneza?
HERKENHOFF -
Mais do que Veneza, sem dúvida. Veneza sobrevive do seu status e também do charme da cidade. Afinal todo mundo gosta de ir de dois em dois anos a Veneza. É um grande prazer. Mas Veneza não tem o poder de articulação que tem a Bienal de São Paulo. Das três grandes exposições, eu sempre disse que a Bienal de São Paulo era a única grande exposição do mundo que tinha uma cidade por trás. Os principais formadores de opinião estão em São Paulo, apesar de muitos terem cabeças muito modernistas, nem sempre voltadas para a arte contemporânea. Mas São Paulo é o grande modelo para o futuro.

FOLHA - Comente um pouco suas dificuldades na preparação da 24ª Bienal, sobre a antropofagia, que foi uma edição da mostra elogiada em plano internacional.
HERKENHOFF -
Naquela Bienal, houve um conjunto de fatores positivos, que foram mais fortes que os negativos de uma Bienal. Temos de destacar as figuras de Júlio Landmann [ex-presidente da Fundação Bienal], Adriano Pedrosa [curador-adjunto da 24ª Bienal], Evelyn Ioschpe [responsável pelo projeto educativo] e Paulo Mendes da Rocha [que planejou o espaço expositivo]. Depois, havia uma conjuntura econômica muito favorável. O dólar estava em paridade com o real e tudo isso foi muito positivo. Nós teríamos, finalmente, uma Bienal pensada a partir do Brasil. A Bienal foi sempre lugar de atualização do Brasil com o mundo. Naquele momento, a idéia era a seguinte: dizer ao mundo que nós temos uma tradição, servir o biscoito fino, como falava Oswald de Andrade. Eu acho que o sucesso dela também aconteceu porque não houve nenhum pacote.
Não houve nenhuma exposição que veio fechada. Cada obra foi batalhada, negociada. Eram obras de 110 museus.

FOLHA - Há um grande interesse por arte latino-americana hoje no mundo e obras importantes têm saído do Brasil. Como você avalia a política de aquisições das instituições nacionais?
HERKENHOFF -
Sem uma mudança na legislação fiscal relativa a obras de arte, as instituições vão continuar paupérrimas. Hoje os críticos dizem que os museus não compram. O que é isso? Se o artista morre, tem que ir uma parte de suas obras para museus públicos. É assim em todos os países. É necessária uma reforma urgente dessa questão no Brasil. A Lei Rouanet hoje é uma espécie de colesterol da cultura porque criou uma série de mecanismos que estão borrando o perfil de um museu. Você opera com um relógio acelerado, submetido ao diretor de um banco.
Museu é uma instituição que coleta obras de arte, que cataloga, que registra, que conserva, que estuda, que expõe. Se de repente você não tem o acervo, mas tem a exposição, isso não é museu. Se você tem o acervo e não expõe, isso não é museu. Se você tem acervo, exposição, mas não tem pesquisa, que é uma parte fundamental de museu, não é museu. Museu é um lugar de construção de pensamento, história e crítica. Acho que daqui a alguns anos nós vamos precisar viajar para ver arte brasileira.

FOLHA - Você acha que essa valorização de brasileiros no exterior não está muito centrada em Hélio Oiticica e Lygia Clark? Volpi, por exemplo, não tem o mesmo reconhecimento.
HERKENHOFF -
Acho que há um incômodo muito grande em São Paulo com o sucesso do Hélio e da Lygia. Eles têm valor porque eles são extraordinários. Não quer dizer que os outros também não tenham direito a isso. Mira Schendel vai ter uma exposição no MoMA. O Volpi chegará lá. Existe Volpi na coleção Cisneros por indicação minha. São de primeiríssima linha. O Reina Sofía, de Madri, adquiriu Volpi. Agora, o Volpi tem um problema semelhante ao Guignard, uma leitura reducionista que se faz no hemisfério Norte desses dois artistas, que tendem a ser considerados artistas ingênuos.


Leia a íntegra da entrevista

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