São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Folias multiplica por quatro agonia de Querô

Quatro atores se alternam no papel do jovem infrator da obra de Plínio Marcos

Produção dirigida por Marco Antonio Rodrigues, que estreia hoje, tem no elenco participantes de oficinas de interpretação do grupo


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na primeira fila da galeria de personagens à deriva de Plínio Marcos (1935-1999), ao lado da Neusa Sueli de "Navalha na Carne" e do Paco de "Dois Perdidos numa Noite Suja", figura o jovem Querô.
Do romance homônimo de 1976, a história do garoto apresentado no berço à lei do mais forte migrou para o teatro em 1979 (ainda que o texto só tenha sido efetivamente encenado a partir dos anos 90) e, mais recentemente, para o cinema (2007). Na montagem que estreia hoje, em São Paulo, a agonia de Querô se multiplica -em cada uma das quatro apresentações semanais, um ator diferente encarna o protagonista.
Sob a direção de Marco Antonio Rodrigues ("Orestéia" e "A Coleira de Bóris"), o elenco é formado por 41 participantes das oficinas de interpretação do grupo Folias d'Arte, realizadas desde julho passado.
O revezamento de intérpretes inclui, além do papel de Querô, os de Leda (mãe dele, prostituta que lhe dá o apelido ao morrer por ingestão de querosene), Violeta (dona do bordel), Ju (prostituta que "adota" o guri), Tainha (delator) e os dos policiais que o perseguem.
A dramaturgia segue o fluxo da memória do jovem. Baleado num confronto com a polícia, ele dá a um jornalista um testemunho da perda da mãe, da fuga do reformatório, do jogo de gato e rato com os tiras e de um ou outro flerte fugidio.
""Querô" tem muito a ver com o tema do trabalho do Folias: êxodos, desterritorialização, essa ideia de não-pertencimento, de perda de território político, geográfico, afetivo, que deixa o indivíduo órfão e Deus de si mesmo", diz Rodrigues.

Sem denúncia
Para o diretor, não faz sentido revisitar a obra sob a chave da denúncia social. "Não queremos esse papel originalmente jesuíta do teatro brasileiro, de denúncia, mas sim o de transformar as grandes angústias em interrogações, matéria-prima para o trabalho. O que a gente constata é essa falta de potência, a capitulação geral de sonhos, utopias e quereres."
Espelho desse quadro de desalento, segundo Rodrigues, é o número de inscritos para participar das oficinas do Folias -mais de 400 pessoas (para o que inicialmente seriam 20 vagas, sem remuneração):
"O tamanho do elenco não é um mérito da montagem, mas aponta para uma condição difícil do país: o cara não tem o que fazer, então acaba se vinculando de corpo e alma. Isso por um lado é bacana, porque as coisas se reorganizam de outra forma que não a econômica."
Plínio Marcos encerra a peça com a imagem do Querô "caído para sempre ou até o dia em que ele e outros como ele se ergam das cinzas onde se sufocam". De 1979 para cá, essa segunda hipótese perdeu força, na avaliação do diretor:
"Pode parecer cético, mas não vejo possibilidade de reorganização. Há uma questão estrutural, que é o fato de sermos uma sociedade que pensa como bombeiro, e não preventivamente. A barbárie, a selvageria assume um cunho cultural.


QUERÔ, UMA REPORTAGEM MALDITA
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h; até 26/4
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, Santa Cecília, São Paulo, tel. 0/ xx/11/3361-2223)
Quanto: R$ 30 (R$ 8 para moradores do bairro)
Classificação: não indicado a menores de 14 anos



Texto Anterior: Saiba mais: Crise atinge espetáculos da Broadway
Próximo Texto: Grupo está em projeto de Harvard
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.