São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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Filme sobre astro da ópera chinesa vira febre

Longa de Chen Kaige concorrerá ao Urso de Ouro

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

O Festival de Berlim vai assistir no mês que vem a uma nova tentativa de deixar a Ópera de Pequim mais pop.
Chen Kaige, diretor de "Adeus, Minha Concubina", vai apresentar "Encantador para Sempre", sua biografia de Mei Lanfang, o maior ator do gênero em todos os tempos, famoso pelos falsetos e só por interpretar papéis femininos da forma mais lânguida possível (mulheres não podiam representar até os anos 50). O filme estará na mostra competitiva do festival alemão, concorrendo a um Urso de Ouro, que será entregue ao vencedor em fevereiro.
Depois de ser combatida por décadas pelo regime comunista, como arte burguesa e contrarrevolucionária, a Ópera de Pequim foi reabilitada pelo próprio Partido Comunista. Hoje, o governo pretende recuperar o sucesso dessa arte minoritária que já foi considerada a grande expressão chinesa.
A rede estatal de televisão CCTV criou um canal para a ópera, e um luxuoso espaço foi inaugurado em Pequim no final do ano passado, o teatro Mei Lanfang, com 1.035 lugares. A Prefeitura de Pequim também decidiu colocar a ópera no currículo das escolas públicas de ensino médio.
Segunda produção chinesa mais vista no país em 2008, ainda em cartaz, o sucesso de "Encantador para Sempre" mostra que há muita curiosidade por Mei, que na China é reverenciado quase como os argentinos tratam Carlos Gardel.
Mei (1894-1961) foi a primeira (e única) estrela internacional da Ópera de Pequim, apresentando-se no Japão, nos Estados Unidos e na Rússia nos anos 30, e recebendo elogios de fãs como Charles Chaplin e Bertold Brecht.
No filme, Mei é interpretado pelo cantor pop Leon Lai, de Hong Kong, e Zhang Ziyi, atriz de "O Tigre e o Dragão" e "2046", vive uma de suas três mulheres.
Sua ambígua sexualidade fica em segundo plano. No filme, o patriota Mei é que ganha mais espaço. Ele se nega a interpretar para os japoneses durante a ocupação do país pelo Japão, no final dos anos 30, e até deixa a barba crescer. De arte burguesa, a Ópera de Pequim virou demonstração de patriotismo e nacionalismo.
"A Ópera de Pequim é a mais completa forma de arte existente no mundo", proclama a atriz Sun Ping, estrela da ópera e diretora do Centro de Estudos Dramáticos Nacionais, da Universidade do Povo da China, na capital chinesa. "Ela une canto, dança, artes marciais, teatro e poesia, é a essência da cultura", diz à Folha.
Sun é integrante do Conselho Consultivo do Congresso chinês e, como membro do Partido Comunista, defende os esforços para deixar a Ópera mais acessível aos jovens.
"Sou de uma geração que conheceu apenas as peças aprovadas pelo governo, em que muitos atores foram perseguidos. Hoje estamos recuperando as tradições chinesas", ela conta.
Nos anos 60 e 70, no auge da Revolução Cultural, apenas oito peças aprovadas pela mulher do ditador Mao Tsé-tung podiam ser representadas.

Gato sob tortura
A preparação dos atores é um processo de até oito anos de estudo. No segundo ano, professores eliminam os alunos que, segundo eles, não têm características físicas ou boa voz. Várias faculdades criaram centros de estudos especiais.
Cerca de 120 escolas municipais pequinesas, com alunos de 11 a 14 anos de idade, têm aulas de canto e performance da Ópera de Pequim.
A política é polêmica. Em blogs e fóruns na internet, jovens chineses têm dito que o que eles querem mesmo ouvir é rap e hip-hop, não ópera por obrigação. Detratores comparam os trinados dos cantores ao som de um gato sob tortura.
"Acho que a Ópera de Pequim não é excludente. Os jovens podem ouvir de tudo, mas é importante que eles pelo menos aprendam e tenham conhecimento da riqueza cultural de seu país", diz Sun Ping.


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