São Paulo, sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

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Crítica

"Nine" retoma Fellini com resultado sofrível

ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um musical sobre o universo de Federico Fellini (1920-1993) é coerente, afinal, o mestre italiano amava o vaudevile e o espetáculo cantado e dançado, como atestam filmes como "Mulheres e Luzes" (1950) e "Ginger e Fred" (1986). Como o musical da Broadway em que se baseia, "Nine" retoma o argumento de "8 e Meio" (1963), a obra mais autobiográfica de Fellini, mas o resultado é sofrível.
O diretor Rob Marshall -que mostrou conhecer os códigos do gênero em "Chicago"- ofusca o espectador com plumas, luzes e um elenco recheado de estrelas, erigindo uma espécie de Disneylândia na qual Fellini é mero detalhe. Seu nome nem aparece nos créditos.
O filme conta a crise criativa que angustia o cineasta Guido Contini (Daniel Day-Lewis) -em "8 e Meio" o alter ego de Fellini se chamava Guido Anselmi e era vivido por Marcello Mastroianni. Ele vai começar a rodar um filme, mas não escreveu o roteiro. Perdido, se deixa invadir por um fluxo de recordações da infância, sonhos, fantasias e alucinações em que o erotismo e as mulheres têm espaço considerável. Ele se vê às voltas com a esposa (Marion Cotil-lard), a amante (Penélope Cruz), a musa (Nicole Kidman), uma jornalista (Kate Hudson), a mãe (Sophia Loren, que nunca fez um filme com Fellini), a prostituta que marcou seu imaginário erótico na infância (Stacy Ferguson, a Fergie dos Black Eyed Peas) e a leal assistente (Judi Dench).
Guido e suas mulheres têm ao menos um número musical cada um, mas, ao contrário do que geralmente acontece em um filme do gênero, os interlúdios de canto e dança nada acrescentam aos personagens ou à narrativa.
As canções insistem em uma série de estereótipos que arruinam a paciência do espectador: Kate Hudson brada que ama o "neorrealismo", enquanto Ferguson dá a receita do que é ser italiano: um amontoado de nulidades como "estilo" e "atitude". Até a célebre cena de "A Doce Vida" na Fontana di Trevi é convocada por Marshall em outro gesto gratuito.
"Nine" pilha o imaginário fel-liniano e sua iconografia, mas ignora seu simbolismo, sua poesia. Tudo é gritado, excessivo, a começar pela atuação de Day-Lewis. Em "8 e Meio", Guido é uma figura matizada: tem dúvidas, medos e esperanças. Com gestos contidos e fala mansa, é um homem que coleciona casos amorosos, mas se sente culpado. O Guido de "Nine" é raso: é só um estressado.


NINE

Direção: Rob Marshall
Produção: EUA/Itália, 2009
Com: Daniel Day-Lewis, Penélope Cruz e Marion Cotillard
Onde: estreia no Cidade Jardim, Frei Caneca Unibanco e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ruim




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