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CINEMA
A Copa legitimou Mandela, diz autor
Livro "Conquistando o Inimigo", que serviu de base para filme "Invictus", conta trajetória diplomática do sul-africano
No texto, o verdadeiro herói é Morné du Plessis, dirigente da seleção de rúgbi, e não o capitão François Pienaar, papel de Matt Damon
FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi como "um exercício de
sedução em massa". Assim
John Carlin lembra da primeira vez em que viu Nelson Mandela, numa entrevista coletiva à
imprensa, um dia após ser libertado de 27 anos de prisão.
"Éramos cerca de 200 jornalistas e, no final, todo mundo
aplaudiu. Jornalistas nunca fazem isso, mas a gente não se
conteve", diz o britânico, que
acabou se tornando um dos jornalistas preferidos de Mandela,
graças à sua obsessão em investigar a extrema direita, que tentava boicotar os planos de negociação pelo fim do apartheid.
"Ele era o mais famoso prisioneiro do mundo e ninguém
tinha ideia de como ele era fisicamente [...] Ele veio caminhando pelo jardim, subiu as
escadas, estava de terno escuro
e gravata, parecia um rei", diz.
Carlin cobriu guerras na
América Central antes de ser
enviado à África do Sul, em
1989, pelo "The Independent".
Da experiência de seis anos escrevendo sobre Mandela, ele
fez o livro-reportagem "Conquistando o Inimigo", que mistura histórias do apartheid com
o processo de democratização
do país, liderado por Mandela.
O ápice do livro acontece
com a Copa do Mundo de rúgbi,
em 1995, esporte de brancos
que, com o poder de sedução do
então presidente Mandela, virou motivo insólito de união
entre brancos e negros. O episódio inspirou filme de Clint
Eastwood, "Invictus", para o
qual Carlin cedeu as suas anotações ao roteirista Anthony
Peckham ("Sherlock Holmes").
"A Copa foi o momento em
que Mandela atingiu sua legitimidade, quando os brancos
aceitaram que poderiam ter um
presidente negro", diz Carlin.
"Depois disso, seria difícil para
a direita levantar uma operação
terrorista, eles precisariam de
apoio político ou popular. E havia mesmo uma ameaça."
Não foi bem assim
Quem reclamar de drama excessivo em "Invictus", melhor
ficar longe do livro. Eastwood
deixa de lado as ameaças de terrorismo de direita e algumas
cenas de forte apelo emocional,
que Carlin descreve em detalhes: brutamontes do rúgbi
aprendendo o hino negro do
país -no filme, eles se recusam- ou chorando ao visitar a
cela onde Mandela ficou preso.
Na vida real, Matt Damon
também não foi o herói de
Mandela em campo. Quer dizer, seu personagem François
Pienaar, capitão da seleção sul-africana, ganha episódios que
foram de Morné du Plessis, ex-capitão e dirigente da seleção.
"Du Plessis foi muito mais o
verdadeiro herói daquela campanha [da Copa] do que Pienaar. Era ele o discípulo número um de Mandela em campo",
diz Carlin. "Sei que o pessoal do
filme, alguns pelo menos, ficaram chateados com isso."
No filme, Du Plessis nem é citado. Mas foi ele quem teve a
ideia de ensinar o hino negro
aos jogadores e levá-los para
brincar com crianças carentes
do subúrbio, e não Pienaar.
Outro detalhe é que Chester
Williams, apesar de ser o único
negro no time, não tinha a importância que ganhou no cinema, já que, na verdade, é mestiço, fala africâner -a língua dos
brancos- e foi sargento do
exército durante o apartheid.
"Os sul-africanos usaram
Chester como a cara da Copa do
Mundo, mas as pessoas eram
mais convencidas disso fora da
África. Você sabe, de certa forma o filme é feito para fora da
África e não para dentro."
CONQUISTANDO O INIMIGO
Autor: John Carlin
Editora: Sextante
Quanto: R$ 30 (267 págs.)
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