São Paulo, sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

A Copa legitimou Mandela, diz autor

Livro "Conquistando o Inimigo", que serviu de base para filme "Invictus", conta trajetória diplomática do sul-africano

No texto, o verdadeiro herói é Morné du Plessis, dirigente da seleção de rúgbi, e não o capitão François Pienaar, papel de Matt Damon

FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi como "um exercício de sedução em massa". Assim John Carlin lembra da primeira vez em que viu Nelson Mandela, numa entrevista coletiva à imprensa, um dia após ser libertado de 27 anos de prisão.
"Éramos cerca de 200 jornalistas e, no final, todo mundo aplaudiu. Jornalistas nunca fazem isso, mas a gente não se conteve", diz o britânico, que acabou se tornando um dos jornalistas preferidos de Mandela, graças à sua obsessão em investigar a extrema direita, que tentava boicotar os planos de negociação pelo fim do apartheid.
"Ele era o mais famoso prisioneiro do mundo e ninguém tinha ideia de como ele era fisicamente [...] Ele veio caminhando pelo jardim, subiu as escadas, estava de terno escuro e gravata, parecia um rei", diz.
Carlin cobriu guerras na América Central antes de ser enviado à África do Sul, em 1989, pelo "The Independent".
Da experiência de seis anos escrevendo sobre Mandela, ele fez o livro-reportagem "Conquistando o Inimigo", que mistura histórias do apartheid com o processo de democratização do país, liderado por Mandela.
O ápice do livro acontece com a Copa do Mundo de rúgbi, em 1995, esporte de brancos que, com o poder de sedução do então presidente Mandela, virou motivo insólito de união entre brancos e negros. O episódio inspirou filme de Clint Eastwood, "Invictus", para o qual Carlin cedeu as suas anotações ao roteirista Anthony Peckham ("Sherlock Holmes").
"A Copa foi o momento em que Mandela atingiu sua legitimidade, quando os brancos aceitaram que poderiam ter um presidente negro", diz Carlin.
"Depois disso, seria difícil para a direita levantar uma operação terrorista, eles precisariam de apoio político ou popular. E havia mesmo uma ameaça."

Não foi bem assim
Quem reclamar de drama excessivo em "Invictus", melhor ficar longe do livro. Eastwood deixa de lado as ameaças de terrorismo de direita e algumas cenas de forte apelo emocional, que Carlin descreve em detalhes: brutamontes do rúgbi aprendendo o hino negro do país -no filme, eles se recusam- ou chorando ao visitar a cela onde Mandela ficou preso.
Na vida real, Matt Damon também não foi o herói de Mandela em campo. Quer dizer, seu personagem François Pienaar, capitão da seleção sul-africana, ganha episódios que foram de Morné du Plessis, ex-capitão e dirigente da seleção.
"Du Plessis foi muito mais o verdadeiro herói daquela campanha [da Copa] do que Pienaar. Era ele o discípulo número um de Mandela em campo", diz Carlin. "Sei que o pessoal do filme, alguns pelo menos, ficaram chateados com isso."
No filme, Du Plessis nem é citado. Mas foi ele quem teve a ideia de ensinar o hino negro aos jogadores e levá-los para brincar com crianças carentes do subúrbio, e não Pienaar.
Outro detalhe é que Chester Williams, apesar de ser o único negro no time, não tinha a importância que ganhou no cinema, já que, na verdade, é mestiço, fala africâner -a língua dos brancos- e foi sargento do exército durante o apartheid.
"Os sul-africanos usaram Chester como a cara da Copa do Mundo, mas as pessoas eram mais convencidas disso fora da África. Você sabe, de certa forma o filme é feito para fora da África e não para dentro."


CONQUISTANDO O INIMIGO

Autor: John Carlin
Editora: Sextante
Quanto: R$ 30 (267 págs.)



Texto Anterior: Crítica: "Nine" retoma Fellini com resultado sofrível
Próximo Texto: Ex-mulher será tema de cinebiografia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.