São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Bolaño reduz expiação da história a jogos de guerra

Escrito em 1989, "O Terceiro Reich" é novo livro póstumo do autor chileno

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Terceiro Reich" faz parte das obras póstumas de Roberto Bolaño (1953-2003). Diferentemente de "2666", que deixou inacabado, mas concentrava os principais elementos de sua obra, trata-se de um romance que o autor preferiu não publicar. Tal decisão talvez se deva ao fato de que o livro apenas esboça o mote recorrente de sua ficção: enredos nos quais escritores se envolvem com assassinatos que guardam a senha para eventos traumáticos da história contemporânea mas que também assinalam a impotência dos literatos para representar e compreender tais fatos. O "Terceiro Reich" do título é na verdade um jogo de tabuleiro e o alemão Udo Berger, protagonista desse romance de 1989, um campeão de "wargames" que escreve textos para publicações especializadas. Na forma de diário, o romance se passa num hotel da costa da Catalunha, que Udo frequentava quando adolescente e para onde vai agora com a namorada. A temporada de verão, porém, logo apresenta elementos sinistros.

ANTICLÍMAX
Eles ficam amigos do casal de alemães Hanna e Charly, mas este desaparece após se envolver num obscuro episódio de estupro. E, enquanto aguarda que a polícia descubra o cadáver do conterrâneo, Udo Berger joga "Terceiro Reich" com Queimado, dono de pedalinhos que teve o corpo desfigurado por queimaduras e que fascina o narrador pela maneira como monta uma pequena fortaleza com seus brinquedos de aluguel. Bolaño inocula simbolismos artificiais nesse mundo de trivialidades turísticas. A fortaleza de Queimado tem a forma de uma estrela de Davi e alguém sugere que ele foi vítima de neonazistas. Descrito como um Golem (ser de barro da mitologia judaica), pode ser também um latino-americano vítima de regimes ditatoriais. Ou o próprio demônio desafiando o "Fausto dos Jogos de Guerra". Em ambos os casos, a partida se converte em "jogo da expiação" no qual Udo, manipulando o exército alemão, espera a punição que se seguirá à derrota. O acerto de contas com a história, porém, termina em anticlímax, como a sugerir que o máximo que a literatura pode fazer é produzir o frisson inofensivo de uma batalha de papel.

O TERCEIRO REICH

AUTOR Roberto Bolaño
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Eduardo Brandão
QUANTO R$ 45 (344 págs.)
Bolaño reduz expiação da história a jogos de guerra regular


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