São Paulo, quinta, 29 de janeiro de 1998

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TEATRO
Ornitorrinco atinge maioridade com Molière

ERIKA SALLUM
da Redação

Há 21 anos, dois alunos e uma professora da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo) decidiram abandonar o academicismo, se atirar à sua grande paixão -o teatro- e conquistar um espaço até então complicado nos palcos brasileiros: não ser "comercial" nem "underground" e, ao mesmo tempo, ter público.
Pelas mãos de Luiz Roberto Galizia (já morto), Cacá Rosset e Maria Alice Vergueiro, nascia o Ornitorrinco, uma das mais polêmicas e consagradas companhias teatrais do país. Para comemorar a maioridade, o grupo estréia no dia 9 de março, no Teatro Popular do Sesi, em São Paulo, a comédia "O Avarento", de Molière.
Após mais de duas décadas de trabalho e sucessos estrondosos, como "Ubu" (que teve mais de mil apresentações), de Alfred Jarry, e "Sonho de uma Noite de Verão", de William Shakespeare, a trupe pode respirar financeiramente aliviada e contar com um público fiel, além de muito heterogêneo. Coisa raríssima no Brasil.
Mais uma vez Jean-Baptiste Poquelin (1622-1673) -o Molière- serve de trampolim para as estripulias do Ornitorrinco, que, em 1989, montou "O Doente Imaginário", do mesmo autor.
Nesse espetáculo, com o teatro sempre lotado, Cacá Rosset, diretor e protagonista-hipocondríaco, circulava pela platéia, revistando as bolsas que encontrava pela frente. Não perdoava ninguém.
"Não sei como não apanhei. Mexia em tudo e cheguei a encontrar maconha, calcinha, revólver... Mas não tive coragem de brincar quando me deparei com uma dentadura", contou, às gargalhadas, à Folha durante os ensaios de sua mais nova montagem.
Aliás, essa tem sido a tônica da companhia desde seus tempos mais remotos, quando tomava emprestado o galpão do teatro Oficina para encenar "Ornitorrinco Canta Brecht e Weill" (1977).
"Brincamos com o público. Num certo sentido, ele também é co-autor e personagem. Invertemos a tara e a perversão normal da platéia, que é ser 'voyeur', tornando-a uma exibicionista", explica.
Outro objetivo perseguido pelo grupo é acabar com o mito de que, para ser "profundo", o espetáculo tem de ser chato. Ou que comédia é sinônimo de superficialidade.
"Nesse sentido, Molière é maravilhoso. Suas peças são divertidas, mas vão além da gargalhada", define. Afirmando que o riso é uma das poucas coisas boas que nos restaram, Rosset chega a uma conclusão: "Quero divertir pessoas honestas, o que não é pouco".
Em "O Avarento", ele, além de diretor, será também protagonista. Harpagão, seu personagem, o pão-duro pai de Cleanto e Elisa, se apaixona por Mariana. A moça, no entanto, é alvo do amor do filho do avaro. Para piorar, Elisa ama Valério (por acaso, irmão de Mariana), mas seu pai quer que ela se case com outro homem.
"Nas peças de Molière, os arquétipos se parecem, o que muda é a patologia. Os protagonistas são agentes do distúrbio, sejam eles hipocondríacos ou avaros."
Contracenando com Rosset-Harpagão, mais uma vez está Maria Alice Vergueiro. Apesar de serem companheiros de grupo há 21 anos, Rosset e a atriz se conheceram muito antes.
Professora do colégio Aplicação, Maria Alice deu aulas de teatro, entre outras disciplinas, para Rosset, quando ele tinha cerca de 11 anos. Em meio às peças que encenaram, uma chama a atenção -"As Preciosas Ridículas". Autor: Molière.



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