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...de Deus
FERNANDA MENA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
A Cidade de Deus de chinelo de
dedo e muito chão de terra batida,
na zona oeste do Rio, está dividida
entre ver e não ver a "Cidade de
Deus" das telas do cinema pisar
no tapete vermelho, vestida de gala, para a premiação do Oscar, no
Kodak Theatre, em Hollywood.
Na comunidade, o contraste entre a miséria e o glamour provoca
às vezes orgulho, às vezes revolta,
passando pela indiferença.
"Só vou assistir a esse Oscar se
não tiver forró no bairro nem nada melhor na TV", desdenha José
Santana, 62, vice-presidente da
União Comunitária da Cidade de
Deus. "Vou morrer dizendo: esse
filme foi uma porcaria para nós,
prejudicou a nossa imagem."
Encostada no balcão de sua lanchonete Garota da Praça, um espaço de menos de quatro metros
quadrados separado da calçada
por um pequeno balcão cheio de
coxinhas e empadas, Antônia Gomes, 55, diz que vai assistir ao Oscar "vibrando" pelos garotos de
comunidades carentes que atuaram no filme.
Entre seus atores principais,
apenas Leandro Firmino da Hora,
25, que interpreta o traficante Zé
Pequeno, é morador da Cidade de
Deus. Ele está em Hollywood para
a cerimônia de entrega do prêmio, enquanto o restante do elenco principal vai assistir ao Oscar
no Cine Odeon BR, no Rio.
Aliás, "Cidade de Deus", o filme, não foi rodado em Cidade de
Deus, o bairro. A produção não
obteve autorização de líderes comunitários e de traficantes para
filmar no cenário original do livro
homônimo de Paulo Lins.
Apesar disso, o filme tornou célebre a comunidade carioca. Mas
se trata de um tipo de fama nada
festejada pelos moradores. "Esculhambaram a favela", reclama Arlindo Bandeira, 61, na porta de seu
boteco, em frente ao vaivém de jovens de rádio transmissor pendurado no pescoço e arma na cintura. "Depois desse filme, ficou mais
difícil até abrir um crediário. Eu
não vou ver Oscar nenhum", diz.
Segundo Lima, depois da estréia
do filme, em 2002, vários representantes dos governos federal,
estadual e municipal estiveram na
comunidade e apresentaram uma
série de projetos de desenvolvimento e melhoria da qualidade de
vida locais. "Até agora, nada
aconteceu. Mas, como é ano de
eleição, é capaz de o pessoal reaparecer porque temos muitos
eleitores e eles querem marcar
presença", critica o líder comunitário (leia texto ao lado).
Ovídio Bessa, 66, que atuou em
"Cidade de Deus" como avô do
personagem Mané Galinha, afirma que vai assistir à cerimônia do
Oscar e que vai torcer pelo filme.
"Mas eles exploraram a nossa história e, depois, se esqueceram de
nós", diz. "Isso me deixa chateado. Mas isso é Brasil."
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