São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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CRÍTICA

Série retrata hip hop com franqueza

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Sai o samba, axé, trio electro, frevo etc. e entra o rap: nesta sexta-feira, estréia no Multishow a minissérie "Platinum". Com a chancela dos Coppola -o pai, Francis Ford, que é co-produtor; e a filha, Sofia, responsável pela história original e pela produção-, é um exemplo de como a TV pode, mesmo em formatos convencionais, ir um pouco além do óbvio em termos estéticos.
A série, que foi ao ar entre abril e maio de 2003 nos EUA, foi mal de audiência e não passou dos seis capítulos. Emplacar uma atração com elenco quase que 100% negro é um desafio, mesmo numa TV mais multicultural como a norte-americana e numa emissora, a UPN, que se diferencia das demais justamente por explorar o nicho de público formado por negros jovens.
É um paradoxo da sociedade norte-americana: ao mesmo tempo em que as pressões políticas forçam a visibilidade das minorias, o racismo e o segregacionismo estão impregnados nas relações mais minúsculas.
Por outro lado, há nos EUA -e "Platinum" é extremamente bem-sucedido nesse sentido- uma cultura negra diversa e com um poder de expressão e de afirmação impressionante. Centrada na figura de dois irmãos proprietários de um selo independente de hip hop, o Sweetback Records, a série é quase hiper-realista no panorama que faz desse mundo, que, ao mesmo tempo em que conserva uma ligação orgânica com o gueto e com a marginalidade, movimenta fortunas e constrói milionários do dia para a noite.
É com essa contradição entre a legitimidade do negócio hip hop e a sua necessidade de conservar os vínculos com a rua e, muitas vezes, com o crime e a violência, que a série trabalha. Claro que, com o dedo dos Coppola no meio, a guerra de poder -em "Platinum", gira em torno dos contratos de dois rappers, um negro do gueto e um claramente inspirado no Eminem- assume ares glamourosos, por mais métodos sujos que utilize, e remete à saga dos Corleone.
O que torna "Platinum" interessante, entretanto, é o esforço de se apropriar da linguagem dos videoclipes de rap. Não, não do jeito canhestro que se fazia nos anos 80, com câmeras tortas e edição frenética. Ao contrário, em vez de afogar o espectador em imagens desconexas, os clipes são generosos em closes, demoram-se na exibição dos personagens. Da mesma forma, na série, o ritmo de edição e montagem parecem obedecer ora à urgência do falatório indignado dos raps ora ao tempo mais lento do rhythm'n'blues e do soul.
E, por fim, o humor com que a soberba e a macheza dos rappers são tratadas fornece o elemento crítico, distanciado, sem o qual a série se confundiria, justamente, com o olhar condescendente dos videoclipes.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


PLATINUM. Quando: estréia sex. (dia 5), às 23h15, no Multishow.


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