São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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Vendedor de brinquedos é o defensor do cinema e da TV na classificação de filmes

Proibido para menores

LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

No Brasil coqueluche do Oscar, a empresa que diariamente faz a ponte entre a indústria cinematográfica e o governo atende pelo nome de Tiquinho Brinquedos.
Trata-se de uma pequena loja colorida, com presentes educativos para crianças, localizada nos fundos de um bloco comercial de Brasília. Por trás dessa fachada lúdica, passam praticamente todos os filmes nacionais e estrangeiros que estréiam no país. Até pornôs.
O dono da Tiquinho, Fernando Nogueira de Almeida, 55, é o "homem do cinema" na capital federal. Há mais de 30 anos, ele herdou o ofício criado pelo pai de negociar com a censura em nome de distribuidores e produtores. Alguns o chamam de "despachante", ele prefere "assessor".
Por lei, toda produção audiovisual (filmes, novelas, programas gravados etc.) tem de receber do Ministério da Justiça uma classificação etária -que pode ser livre ou recomendada para maiores de 12, 14, 16 e 18 anos.
A função do "seu Fernando da Tiquinho", como é conhecido, é encaminhar as produções ao órgão e convencer os classificadores a adotar a faixa de idade pleiteada pela distribuidora. Se a empresa, por exemplo, pretende explorar o público infantil, a classificação tem de ser livre ou a bilheteria será um fracasso. Por isso o papel do vendedor de brinquedos é vital para a indústria cinematográfica.
Ele acompanha de perto -literalmente- todo o processo. Durante a exibição dos filmes no setor de classificação do ministério, senta-se ao lado dos funcionários.
"Normalmente, um classificador e um estagiário assistem ao filme, e nós conversamos. Já estou instruído pela empresa, já fiz uma consulta para saber como é a classificação em outros países."
Nessas pequenas cabines onde as produções são avaliadas, Almeida assiste em primeira mão a tudo quanto é filme, de "Cidade de Deus" a "Xuxa em Abracadabra". Até os pornográficos?!
"Um dia, cheguei para eles e disse: "Vocês realmente precisam ver esses filmes?". Eles concordaram que não, e passei a mandar só a capa ou no próprio requerimento de classificação já declarar o gênero", diz Almeida, que atendeu a Folha em seu escritório, no mezanino da Tiquinho Brinquedos.
Praticamente de hora em hora um carteiro chega à sua loja com uma lata de película de cerca de 25 quilos ou uma fita de vídeo. O mensageiro cruza a porta, um alarme com canto de passarinho toca, ele passa por uma estante de marionetes e alfabetos em madeira e vai ao balcão deixar a encomenda para o "seu Fernando".
A Tiquinho existe há 24 anos. "Comprei esse espaço para montar o escritório, mas fiscais me disseram que, pela lei de zoneamento, teria de vender alguma coisa, ter uma uma loja", explica.
Começou com algumas fitas de vídeo cedidas por "amigos do cinema" e mudou para brinquedos educativos quando nasceu sua filha excepcional, e ele passou a atuar em instituições de caridade.

Nova lei
Por dia, a Tiquinho Brinquedos encaminha ao governo uma média de dez produções. Se o classificador não acata a faixa etária proposta ("Eles atendem aos nossos argumentos, mas claro que têm a opinião deles e seguem um manual"), a loja entra com recurso.
No caso de a decisão ser mantida, ainda é possível recorrer à secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas, responsável pela área. Em última instância, a negociação pode envolver até o corte de uma cena mais picante ou violenta.
O dono da Tiquinho é o principal articulador de uma nova lei que o governo pretende aprovar neste ano, com mudanças nas regras de classificação para cinema, vídeo e DVD. "Sim, recebi o "seu Fernando" para ouvir a opinião das distribuidoras", disse a secretária nacional de Justiça à Folha.
O objetivo é dar aos pais autoridade para liberar o filho a ver um filme proibido para a sua idade -o que, conseqüentemente, poderia ampliar a bilheteria.
Almeida trabalha também para emissoras de TV (Record, SBT, Rede TV!, Rede Mulher e Gazeta). No início deste mês, teve um dia agitado, quando o governo decidiu reclassificar para as 21h os telejornais policiais da tarde (como o "Cidade Alerta", da Record). Com o lobby da TV, a decisão foi revogada no dia seguinte. "Nesses casos, meu trabalho é manter a empresa informada e dar as linhas de ação. E eles atuam com seus departamentos jurídicos."
Almeida diz que dá conta de praticamente toda a indústria cinematográfica e das TVs apenas com o auxílio de um filho e da secretária. "Estamos acostumados." E deu para ficar rico? "Não deu, não. Mas não posso reclamar."


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