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Vendedor de brinquedos é o defensor do cinema e da TV na classificação de filmes
Proibido para menores
LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
No Brasil coqueluche do Oscar,
a empresa que diariamente faz a
ponte entre a indústria cinematográfica e o governo atende pelo
nome de Tiquinho Brinquedos.
Trata-se de uma pequena loja
colorida, com presentes educativos para crianças, localizada nos
fundos de um bloco comercial de
Brasília. Por trás dessa fachada lúdica, passam praticamente todos
os filmes nacionais e estrangeiros
que estréiam no país. Até pornôs.
O dono da Tiquinho, Fernando
Nogueira de Almeida, 55, é o "homem do cinema" na capital federal. Há mais de 30 anos, ele herdou o ofício criado pelo pai de negociar com a censura em nome de
distribuidores e produtores. Alguns o chamam de "despachante", ele prefere "assessor".
Por lei, toda produção audiovisual (filmes, novelas, programas
gravados etc.) tem de receber do
Ministério da Justiça uma classificação etária -que pode ser livre
ou recomendada para maiores de
12, 14, 16 e 18 anos.
A função do "seu Fernando da
Tiquinho", como é conhecido, é
encaminhar as produções ao órgão e convencer os classificadores
a adotar a faixa de idade pleiteada
pela distribuidora. Se a empresa,
por exemplo, pretende explorar o
público infantil, a classificação
tem de ser livre ou a bilheteria será um fracasso. Por isso o papel
do vendedor de brinquedos é vital
para a indústria cinematográfica.
Ele acompanha de perto -literalmente- todo o processo. Durante a exibição dos filmes no setor de classificação do ministério,
senta-se ao lado dos funcionários.
"Normalmente, um classificador e um estagiário assistem ao
filme, e nós conversamos. Já estou
instruído pela empresa, já fiz uma
consulta para saber como é a classificação em outros países."
Nessas pequenas cabines onde
as produções são avaliadas, Almeida assiste em primeira mão a
tudo quanto é filme, de "Cidade
de Deus" a "Xuxa em Abracadabra". Até os pornográficos?!
"Um dia, cheguei para eles e disse: "Vocês realmente precisam ver
esses filmes?". Eles concordaram
que não, e passei a mandar só a
capa ou no próprio requerimento
de classificação já declarar o gênero", diz Almeida, que atendeu a
Folha em seu escritório, no mezanino da Tiquinho Brinquedos.
Praticamente de hora em hora
um carteiro chega à sua loja com
uma lata de película de cerca de 25
quilos ou uma fita de vídeo. O
mensageiro cruza a porta, um
alarme com canto de passarinho
toca, ele passa por uma estante de
marionetes e alfabetos em madeira e vai ao balcão deixar a encomenda para o "seu Fernando".
A Tiquinho existe há 24 anos.
"Comprei esse espaço para montar o escritório, mas fiscais me
disseram que, pela lei de zoneamento, teria de vender alguma
coisa, ter uma uma loja", explica.
Começou com algumas fitas de
vídeo cedidas por "amigos do cinema" e mudou para brinquedos
educativos quando nasceu sua filha excepcional, e ele passou a
atuar em instituições de caridade.
Nova lei
Por dia, a Tiquinho Brinquedos
encaminha ao governo uma média de dez produções. Se o classificador não acata a faixa etária proposta ("Eles atendem aos nossos
argumentos, mas claro que têm a
opinião deles e seguem um manual"), a loja entra com recurso.
No caso de a decisão ser mantida, ainda é possível recorrer à secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas, responsável pela área.
Em última instância, a negociação
pode envolver até o corte de uma
cena mais picante ou violenta.
O dono da Tiquinho é o principal articulador de uma nova lei
que o governo pretende aprovar
neste ano, com mudanças nas regras de classificação para cinema,
vídeo e DVD. "Sim, recebi o "seu
Fernando" para ouvir a opinião
das distribuidoras", disse a secretária nacional de Justiça à Folha.
O objetivo é dar aos pais autoridade para liberar o filho a ver um
filme proibido para a sua idade
-o que, conseqüentemente, poderia ampliar a bilheteria.
Almeida trabalha também para
emissoras de TV (Record, SBT,
Rede TV!, Rede Mulher e Gazeta).
No início deste mês, teve um dia
agitado, quando o governo decidiu reclassificar para as 21h os telejornais policiais da tarde (como
o "Cidade Alerta", da Record).
Com o lobby da TV, a decisão foi
revogada no dia seguinte. "Nesses
casos, meu trabalho é manter a
empresa informada e dar as linhas de ação. E eles atuam com
seus departamentos jurídicos."
Almeida diz que dá conta de
praticamente toda a indústria cinematográfica e das TVs apenas
com o auxílio de um filho e da secretária. "Estamos acostumados."
E deu para ficar rico? "Não deu,
não. Mas não posso reclamar."
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