São Paulo, sábado, 29 de março de 2008

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Crítica/"Adeus, China - O Último Bailarino de Mao"

Bailarino que enriqueceu após desertar narra saga em autobiografia

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Li Cunxin deve à dança as oportunidades que teve para ser rico e famoso como é agora. Mas, pelo menos no princípio de sua educação artística, odiava o balé. Aos 11 anos, treinava das 5h30 às 21h de segunda a sábado na academia mantida por Madame Mao em Pequim na década de 1970. Havia sido separado da família, que só podia visitar uma vez por ano, e retirado da remota aldeia camponesa onde nascera por uma comissão da escola da capital que saía pelo país em busca de possíveis bailarinos.
Um professor especial, após dois anos de frustrações, despertou seu amor pela arte e Cunxin chegou a aumentar voluntariamente o tempo de dedicação diária à prática.
Tornou-se um ardente guarda vermelho durante a adolescência e, aos 18 anos, foi autorizado a estudar nos EUA, onde se apaixonou por uma colega, desertou e virou celebridade.
Sua história está na autobiografia "Adeus, China - O Último Bailarino de Mao". A edição original foi lançada na Austrália, país onde Cunxin estabeleceu-se em 1999 como corretor no mercado de ações, depois de concluir que o ensino de dança, destino usual dos bailarinos que chegam à idade da aposentadoria, não lhe garantiria a independência econômica. A trajetória de vida de Cunxin é, de fato, impressionante.
Da miséria, tamanha que o obrigava às vezes a disputar comida com ratos, às recepções de gala com que passou a ser saudado nos melhores ambientes da América e da Europa, há uma linha de coesão: a extraordinária força de vontade e autodisciplina que marca a sua personalidade.
O livro é escrito de modo muito simples, quase ingênuo. Cunxin disse ter tido enorme dificuldade em redigi-lo. O que emerge dele é uma pessoa sem vaidades, modesta mesmo, capaz de admitir erros, mas não de fazer acusações contra os que poderiam lhe ter incitado ressentimento ou ódio.
As maiores dificuldades são descritas em detalhes, mas sem arroubos, quase como se ele as tivesse presenciado à distância em vez de tê-las efetivamente vivido: da saudade extremada que a criança tinha de seus pais às dores do artista já maduro que participou de um concurso em Moscou com uma crise aguda de hérnia de disco, ou à ansiedade do pai apaixonado por música ao descobrir que sua filha era deficiente auditiva.
Os dramas íntimos, como o divórcio de sua primeira mulher, a mesma que o fez resolver-se a pedir asilo, seguem o padrão do relato aparentemente imparcial, desapaixonado e objetivo. Cunxin tampouco demonstra entusiasmo ideológico. Narra com o mesmo distanciamento suas aventuras como propagandista de Mao e como instrumento de propaganda americana no auge da Guerra Fria. Demonstra gratidão a quem o ajudou pessoalmente, do professor da academia de dança de Madame Mao, que despertou seu amor pela arte, a George e Barbara Bush, que garantiram sua integridade física quando resolveu desertar e foi preso pelos guardas do consulado chinês em Houston.
Evidentemente, ele louva a liberdade de que passou a desfrutar depois de abandonar o regime maoísta, mas não deixa de apontar o que considera serem aspectos problemáticos do estilo americano de vida nem de ressaltar as virtudes do treinamento duro que recebeu na China.
Esse percurso incrível pode ser inspirador, mesmo quando descrito de modo contido como neste livro, a praticamente todas as pessoas, independentemente de seu eventual interesse por dança ou China.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela USP e apresentador do programa "Roda Vida".

ADEUS, CHINA
Autor:
Li Cunxin
Tradução: Neuza Capelo
Editora: Fundamento
Quanto: R$ 48,40 (400 págs.)
Avaliação: bom


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