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Crítica/"Adeus, China - O Último Bailarino de Mao"
Bailarino que enriqueceu após desertar narra saga em autobiografia
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Li Cunxin deve à dança as
oportunidades que teve
para ser rico e famoso
como é agora. Mas, pelo menos
no princípio de sua educação
artística, odiava o balé. Aos 11
anos, treinava das 5h30 às 21h
de segunda a sábado na academia mantida por Madame Mao
em Pequim na década de 1970.
Havia sido separado da família, que só podia visitar uma vez
por ano, e retirado da remota
aldeia camponesa onde nascera
por uma comissão da escola da
capital que saía pelo país em
busca de possíveis bailarinos.
Um professor especial, após
dois anos de frustrações, despertou seu amor pela arte e
Cunxin chegou a aumentar voluntariamente o tempo de dedicação diária à prática.
Tornou-se um ardente guarda vermelho durante a adolescência e, aos 18 anos, foi autorizado a estudar nos EUA, onde
se apaixonou por uma colega,
desertou e virou celebridade.
Sua história está na autobiografia "Adeus, China - O Último
Bailarino de Mao". A edição
original foi lançada na Austrália, país onde Cunxin estabeleceu-se em 1999 como corretor
no mercado de ações, depois de
concluir que o ensino de dança,
destino usual dos bailarinos
que chegam à idade da aposentadoria, não lhe garantiria a independência econômica.
A trajetória de vida de Cunxin é, de fato, impressionante.
Da miséria, tamanha que o
obrigava às vezes a disputar comida com ratos, às recepções
de gala com que passou a ser
saudado nos melhores ambientes da América e da Europa, há
uma linha de coesão: a extraordinária força de vontade e autodisciplina que marca a sua personalidade.
O livro é escrito de modo
muito simples, quase ingênuo.
Cunxin disse ter tido enorme
dificuldade em redigi-lo. O que
emerge dele é uma pessoa sem
vaidades, modesta mesmo, capaz de admitir erros, mas não
de fazer acusações contra os
que poderiam lhe ter incitado
ressentimento ou ódio.
As maiores dificuldades são
descritas em detalhes, mas sem
arroubos, quase como se ele as
tivesse presenciado à distância
em vez de tê-las efetivamente
vivido: da saudade extremada
que a criança tinha de seus pais
às dores do artista já maduro
que participou de um concurso
em Moscou com uma crise aguda de hérnia de disco, ou à ansiedade do pai apaixonado por
música ao descobrir que sua filha era deficiente auditiva.
Os dramas íntimos, como o
divórcio de sua primeira mulher, a mesma que o fez resolver-se a pedir asilo, seguem o
padrão do relato aparentemente imparcial, desapaixonado e
objetivo. Cunxin tampouco demonstra entusiasmo ideológico. Narra com o mesmo distanciamento suas aventuras como
propagandista de Mao e como
instrumento de propaganda
americana no auge da Guerra
Fria. Demonstra gratidão a
quem o ajudou pessoalmente,
do professor da academia de
dança de Madame Mao, que
despertou seu amor pela arte, a
George e Barbara Bush, que garantiram sua integridade física
quando resolveu desertar e foi
preso pelos guardas do consulado chinês em Houston.
Evidentemente, ele louva a
liberdade de que passou a desfrutar depois de abandonar o
regime maoísta, mas não deixa
de apontar o que considera serem aspectos problemáticos do
estilo americano de vida nem
de ressaltar as virtudes do treinamento duro que recebeu na
China.
Esse percurso incrível pode
ser inspirador, mesmo quando
descrito de modo contido como
neste livro, a praticamente todas as pessoas, independentemente de seu eventual interesse por dança ou China.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela USP e apresentador do programa "Roda Vida".
ADEUS, CHINA
Autor: Li Cunxin
Tradução: Neuza Capelo
Editora: Fundamento
Quanto: R$ 48,40 (400 págs.)
Avaliação: bom
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