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"O CÁRCERE E A RUA"
Documentário de Liliana Sulzbach registra difícil travessia das grades
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A primeira coisa a ser dita
sobre o documentário "O
Cárcere e a Rua" é que não se trata
de uma versão feminina de "O
Prisioneiro da Grade de Ferro".
Não é o cotidiano de mulheres
atrás das grades que interessa
aqui, mas o difícil trânsito entre o
lado de dentro e o lado de fora da
prisão. Liliana Sulzbach parece
buscar as marcas da rua dentro do
cárcere e as do cárcere na rua.
Para realizar este pungente estudo, que ganhou o prêmio de
melhor documentário no Festival
de Gramado, a cineasta visitou
durante três anos a Penitenciária
Feminina Madre Pelletier, em
Porto Alegre, e concentrou seu foco em três detentas, depois de entrevistar umas cem.
As escolhidas têm trajetórias altamente expressivas. Cláudia Rullian é a presa mais velha e está
prestes a ganhar a liberdade. Daniela Cabral, de 19 anos, acabou
de chegar. Já Betânia Fontoura da
Silva, 28, sai do presídio para o regime semi-aberto. O filme alterna
as três histórias, mostrando vários momentos de cada uma delas
num período de mais de um ano.
A ordem não é necessariamente
cronológica. Atende, antes, a objetivos narrativos e dramáticos.
Assim, Cláudia é vista, primeiro,
perdida no centro de Porto Alegre
em seu primeiro dia de liberdade.
Só depois acompanhamos seus
últimos dias na prisão.
Sua história é terrível: dos seus
54 anos de vida, 28 foram passados na cadeia, por latrocínio. Seu
filho ficou com ela até os quatro
anos na creche do presídio, depois lhe foi tirado e cresceu afastado. Agora, fora das grades, o grande projeto de Cláudia é reaproximar-se do filho, já adulto.
Igualmente doloroso é o caso da
jovem Daniela. Presa sob a acusação de ter matado o próprio filho,
ela fica numa cela à parte, dado o
risco de ser linchada pelas outras
presas. Detalhe: ela está novamente grávida.
No início, Daniela fica sob a
proteção de Cláudia. Quando esta
deixa a cadeia, a garota afunda cada vez mais na depressão e, em seguida, na loucura. Acaba no manicômio judiciário. Seguimos cada etapa desse processo como
quem assiste a uma tragédia
anunciada.
Diante desses dramas sombrios,
o caso de Betânia acaba sendo
quase um contraponto alegre.
Não que sua história seja rósea:
ela foi condenada a 15 anos de detenção, por assaltos a mão armada, e por conta disso vive longe de
seus quatro filhos.
Mas Betânia tem um uma irreprimível alegria de viver. Na cadeia, ela mantém um caso com
sua companheira de cela e jura
que não quer mais saber de homem. Fora das grades, contudo,
arranja dois maridos e uns quatro
namorados no período coberto
pelas filmagens.
Sulzbach entrelaça essas histórias com pulso rítmico e dramático. As entrevistadas são filmadas
em planos muito próximos. Em
contraposição a esses demorados
closes, uma ágil câmera na mão
explora os ambientes, dando idéia
da sua exigüidade ou amplidão. O
espaço, afinal, é um dos personagens desta narrativa.
Se há algo a ser criticado neste
admirável documentário, é o uso
de música (ainda que discreta)
para induzir a emoção. As personagens e situações retratadas são
contundentes o bastante para
prescindir dessa muleta.
O Cárcere e a Rua
Direção: Liliana Sulzbach
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e SP Market
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