São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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"O CÁRCERE E A RUA"

Documentário de Liliana Sulzbach registra difícil travessia das grades

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira coisa a ser dita sobre o documentário "O Cárcere e a Rua" é que não se trata de uma versão feminina de "O Prisioneiro da Grade de Ferro".
Não é o cotidiano de mulheres atrás das grades que interessa aqui, mas o difícil trânsito entre o lado de dentro e o lado de fora da prisão. Liliana Sulzbach parece buscar as marcas da rua dentro do cárcere e as do cárcere na rua.
Para realizar este pungente estudo, que ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado, a cineasta visitou durante três anos a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, e concentrou seu foco em três detentas, depois de entrevistar umas cem.
As escolhidas têm trajetórias altamente expressivas. Cláudia Rullian é a presa mais velha e está prestes a ganhar a liberdade. Daniela Cabral, de 19 anos, acabou de chegar. Já Betânia Fontoura da Silva, 28, sai do presídio para o regime semi-aberto. O filme alterna as três histórias, mostrando vários momentos de cada uma delas num período de mais de um ano.
A ordem não é necessariamente cronológica. Atende, antes, a objetivos narrativos e dramáticos. Assim, Cláudia é vista, primeiro, perdida no centro de Porto Alegre em seu primeiro dia de liberdade. Só depois acompanhamos seus últimos dias na prisão.
Sua história é terrível: dos seus 54 anos de vida, 28 foram passados na cadeia, por latrocínio. Seu filho ficou com ela até os quatro anos na creche do presídio, depois lhe foi tirado e cresceu afastado. Agora, fora das grades, o grande projeto de Cláudia é reaproximar-se do filho, já adulto.
Igualmente doloroso é o caso da jovem Daniela. Presa sob a acusação de ter matado o próprio filho, ela fica numa cela à parte, dado o risco de ser linchada pelas outras presas. Detalhe: ela está novamente grávida.
No início, Daniela fica sob a proteção de Cláudia. Quando esta deixa a cadeia, a garota afunda cada vez mais na depressão e, em seguida, na loucura. Acaba no manicômio judiciário. Seguimos cada etapa desse processo como quem assiste a uma tragédia anunciada.
Diante desses dramas sombrios, o caso de Betânia acaba sendo quase um contraponto alegre. Não que sua história seja rósea: ela foi condenada a 15 anos de detenção, por assaltos a mão armada, e por conta disso vive longe de seus quatro filhos.
Mas Betânia tem um uma irreprimível alegria de viver. Na cadeia, ela mantém um caso com sua companheira de cela e jura que não quer mais saber de homem. Fora das grades, contudo, arranja dois maridos e uns quatro namorados no período coberto pelas filmagens.
Sulzbach entrelaça essas histórias com pulso rítmico e dramático. As entrevistadas são filmadas em planos muito próximos. Em contraposição a esses demorados closes, uma ágil câmera na mão explora os ambientes, dando idéia da sua exigüidade ou amplidão. O espaço, afinal, é um dos personagens desta narrativa.
Se há algo a ser criticado neste admirável documentário, é o uso de música (ainda que discreta) para induzir a emoção. As personagens e situações retratadas são contundentes o bastante para prescindir dessa muleta.


O Cárcere e a Rua
   
Direção: Liliana Sulzbach
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e SP Market


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