São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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"REFÉM"

Diretor ousa na forma de encarar a brutalidade em estudo do medo

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há muito a se notar em "Refém". A arquitetura, por exemplo. Numa casa, jovens seqüestram e aterrorizam uma família. O olhar de Florent Emilio Siri faz dessa casa um castelo, e de sua intrincada "geografia", o centro nervoso do filme. Ou seja, a arquitetura de fato, a do "castelo", aciona a arquitetura de imagens, a do filme: temos um (belo) estudo espacial sobre o medo.
Há mais, sem sair do tema medo. É um filme povoado por fantasmas, e eles nos indicarão uma leitura, bem seca até, sobre a relatividade dos mecanismos do Estado. Onde o Estado está? Uniformes do FBI são vestidos por criaturas mascaradas, macabras, que regem uma ação ilícita, mas maquiada, na intervenção no seqüestro. Há Willis (outro fantasma), policial e negociador de seqüestros. Nem a ele, que vive em trânsito complexo entre estatutos sociais (oficiais) e individuais, podemos chamar de herói.
É ele, porém, o eco de Siri no filme. Os dois orquestram "encenações" em um espaço fechado. Siri faz a câmera agir na estrutura do castelo, passeia por ele; Willis não pode, está de fora, administrando cenário que não vê. Mas ambos, manipuladores, se servem, em suas operações (negociação e filme), do imponderável: como as pessoas vão reagir? Como as imagens vão se articular? Há também monitoramento com o qual os dois, indomesticáveis, têm de jogar (produtor? FBI?).
A ousadia do filme, contudo, está em como a brutalidade é encarada: ela se insemina e se manifesta nos corpos. Como algo orgânico. Willis, após um assassinato, surge depilado. Impressiona mais um dos criminosos. Num corajoso fluxo de insanidade visual, Siri faz o rapaz se metamorfosear em um monstro, em território -o castelo- que ruma ao dantesco. Um humano, mas, na fronteira com o cinema de horror, cada vez mais desfigurado: a brutalidade está no ato do seqüestro, mas contamina o corpo do seqüestrador.


Refém
Hostage
   
Direção: Florent Emilio Siri
Produção: EUA/Alemanha, 2005
Com: Jonathan Tucker, Serena Scott Thomas, Michelle Horn
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Interlagos, Paulista e circuito


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