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IMPRENSA
Livro da Folha registra fatos e personagens que o tempo reavalia
"Primeira Página" passa como se fosse um filme da história
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Passar por 85 anos dá uma
sensação estranha: as ideologias políticas, os grandes fatos
(muitos ficaram pequenos no futuro), os grandes personagens (alguns esquecidos e bem esquecidos) vão passando como se fossem um filme. Lá estão Adolf Hitler, Josef Stálin, Mao Tse-tung,
Getúlio Vargas, mas também Balbino José dos Santos, o primeiro
passageiro do metrô paulistano,
que chegou às 5h na estação Jabaquara, para, uma hora depois, ser
o primeiro a atravessar a catraca
naquela sexta-feira fria de setembro de 1975.
Um menino saúda com o polegar erguido um carro transportando tanques em um subúrbio
de Buenos Aires. Era o golpe militar de março de 1976 que derrubou a presidente Maria Estela
Martinez de Perón, a Isabelita, e
que instituiria a ditadura mais
sanguinária da história portenha.
Quem era o menino? Estará vivo?
Se estiver, será que mantém o polegar erguido para os golpistas?
Enquanto São Paulo foi marcado pelos grandes incêndios
(Volkswagen, 1970; Andraus,
1972; Joelma, 1974), na Polônia,
em 1970, o Exército à bala -e
com dezenas de mortos- tomou
os estaleiros de Gdynia, onde milhares de operários protestavam
contra o aumento do custo de vida. Já no Brasil, o general Siseno
Sarmento, comandante do 1º
Exército, garantia que a normalidade do país não estava abalada e
o presidente Médici dizia que foi
"o maior dia da minha vida" o domingo em que a seleção brasileira
venceu a Itália e conquistou o tricampeonato. Entusiasmado, saiu
do Palácio e foi ao encontro dos
populares que o aguardavam. Fez
embaixadas e depois foi carregado pelos torcedores. Parecia que
Sarmento tinha razão, porém, o
Congresso Nacional tinha ficado
fechado meses e embaixadores
eram seqüestrados para que, em
troca, fossem libertados presos
políticos.
Nos últimos 25 anos, o país foi
varrido por momentos de grande
euforia política. A campanha das
Diretas-Já foi um dos maiores. O
ato da praça da Sé dava o tom do
que seriam os próximos meses.
Diz a Folha: "O povo se manifestou, cantou, dançou; trouxe bandeiras, vestiu camisetas. Vaiou,
aprovou. E nem a chuva, que por
três horas fustigou o comício,
consegui dispersá-lo". Três meses
depois, no vale do Anhangabaú,
encerrou-se a campanha com o
maior comício da história do Brasil. Mas o regime resistia.
Se a emenda foi derrotada, o desejo de restabelecimento da democracia permanecia ainda mais
forte. A candidatura Tancredo
Neves, a vitória no Colégio Eleitoral, dava o tom de euforia. Enfim
iria acabar a ditadura. E veio a
surpresa da internação, das cirurgias e da morte, em 21 de abril.
Dez meses depois, nova euforia: o
Plano Cruzado. Após as eleições
de novembro, nova decepção.
Dois anos passam, e mais euforia:
a promulgação da Constituição. O
presidente Sarney proclamou juras à Carta, mas antes contratou
dezenas de funcionários públicos
sem concurso e criou centenas de
cargos de confiança. Tão Brasil.
Em 85 anos, os conflitos mundiais foram mudando: as ideologias políticas laicas foram perdendo importância e a presença do
fundamentalismo religioso foi assumindo o primeiro plano da cena. Já a política interna brasileira,
pouco mudou. O general Figueiredo, ainda candidato à Presidência, em entrevista para a Folha
disse: "A opinião pública não
existe, vocês [os jornalistas] é que
a formam. Se vocês quiserem, vocês mudam a opinião pública".
Ouvíamos algo parecido nestes
tristes dias que vivemos. Mas foi
no futebol que a história ficou
congelada. Campeonato Paulista,
1978. Corinthians x Guarani: 2 a 2.
Jogo equilibrado. Aos 14 minutos
do segundo tempo da prorrogação, o juiz marcou um pênalti duvidoso. Para quem? Para o Corinthians, é claro. O lateral Zé Maria
bateu e converteu.
É, a história sempre se repete: e
como tragédia.
Marco Antonio Villa é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros,
de "Jango, Um Perfil" (Globo)
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