São Paulo, sábado, 29 de maio de 2004

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"SÓLIDOS GOZOSOS & SOLIDÕES GEOMÉTRICAS"

Nelson de Oliveira busca seu graal da não-literatura

LUIZ RUFFATO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Acaba de sair a coletânea de contos "Sólidos Gozosos & Solidões Geométricas", sétimo livro de ficção de Nelson de Oliveira em sete anos. Expoente da nominada Geração 90, termo por ele criado e posto em circulação, Nelson se tornou um dos raros escritores brasileiros contemporâneos a seguir à risca um projeto, o de relativizar o fazer artístico, trazendo para o seu trabalho um dos pilares do "pós-modernismo": a problematização de conceitos como "gênero", "autoria", "verdade", "estilo".
Aliás, algumas das características de sua obra são justamente o "hibridismo" (seus "ensaios" são ficcionais, sua ficção é deslavadamente calcada em clichês), o "insólito", o humor e a incongruência estilística (o autor encarna à perfeição o slogan de Millôr Fernandes: "Enfim, um escritor sem estilo"). Tentar encontrar uma trajetória, um sentido na sucessão de títulos do autor é uma tarefa fadada, em sua origem, ao mais retumbante fracasso. Porque Nelson, ao que parece, quer desconstruir a narrativa, colocar em xeque os alicerces que mantêm de pé os pressupostos da ficção, que remontam ao nascimento do gênero como manifestação literária.
Para dar conta desse trabalho, quixotesco e hercúleo, ele se inventou personagem, um pantagruel onívoro que se alimenta do que lhe cai à mão ou aos olhos, tornando seu o que é do mundo, numa contestação da concepção de autoria, que remonta a um tempo pré-industrial, em que a idéia podia ser colhida nos jardins comuns do conhecimento.
Nesse sentido, até as pistas sobre possíveis influências que o autor vai largando pelo caminho podem ser falsas. Já foram citados nomes com Maura Lopes Cançado e Campos de Carvalho -loucos ambos, cada um à sua maneira-, como emuladores da obra de Nelson, mas, se quisermos bisbilhotar nele alguma ascendência intelectual, deveríamos procurá-la num escritor desconhecido do grande público -e do pequeno-, um anárquico formulador de insanidades chamado Uilcon Pereira (1936-96). Este, no início da década de 80, implodiu o romance e das ruínas construiu uma trilogia, "No Coração dos Boatos" (1982-84), que sucumbiu ao veneno de sua ousadia.
Nelson estreou com os contos de "Os Saltitantes Seres da Lua", em 1996, desentranhado de um outro livro, publicado inicialmente em espanhol, em Cuba, com o título de "Fábulas" e que rendeu mais dois títulos, "Naquela Época Tínhamos um Gato" (1998) e "Treze" (1999). Sua obra continua com o romance "Subsolo Infinito" (2000), o livro de contos "O Filho do Crucificado" (2001), outro romance, "A Maldição do Macho" (2002), e agora com esse "Sólidos Gozosos & Solidões Geométricas", que no próprio título enfeixa o significado de sua busca. E essa busca, a uma espécie de graal literário, em que um crítico genético não conseguiria decifrar as várias camadas de que se compõe a escrita de Nelson de Oliveira, é a essência de sua ficção: a procura da não-autoria, da não-originalidade, da não-literatura.
Há aqueles que o acompanham nessa cruzada e gostam. Há os que começaram a segui-lo e o abandonaram no meio do caminho. E há aqueles que ouviram sua pregação e o odiaram desde o princípio dos tempos. Mas, no fundo, talvez seja isso mesmo que Nelson de Oliveira procure: a polêmica, a discórdia, a provocação. Pois seu lema, o que deverá estar inscrito no brasão de sua família (literária), deverá ser: se posso confundir, por que explicar?


Luiz Ruffato é escritor, autor de "Eles Eram Muitos Cavalos" (2001)

SÓLIDOS GOZOSOS & SOLIDÕES GEOMÉTRICAS. Autor: Nelson de Oliveira. Editora: Record. Quanto: R$ 23,90 (192 págs.).


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