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"SÓLIDOS GOZOSOS & SOLIDÕES GEOMÉTRICAS"
Nelson de Oliveira busca seu graal da não-literatura
LUIZ RUFFATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Acaba de sair a coletânea de
contos "Sólidos Gozosos &
Solidões Geométricas", sétimo livro de ficção de Nelson de Oliveira em sete anos. Expoente da nominada Geração 90, termo por ele
criado e posto em circulação, Nelson se tornou um dos raros escritores brasileiros contemporâneos
a seguir à risca um projeto, o de
relativizar o fazer artístico, trazendo para o seu trabalho um dos pilares do "pós-modernismo": a
problematização de conceitos como "gênero", "autoria", "verdade", "estilo".
Aliás, algumas das características de sua obra são justamente o
"hibridismo" (seus "ensaios" são
ficcionais, sua ficção é deslavadamente calcada em clichês), o "insólito", o humor e a incongruência estilística (o autor encarna à
perfeição o slogan de Millôr Fernandes: "Enfim, um escritor sem
estilo"). Tentar encontrar uma
trajetória, um sentido na sucessão
de títulos do autor é uma tarefa fadada, em sua origem, ao mais retumbante fracasso. Porque Nelson, ao que parece, quer desconstruir a narrativa, colocar em xeque os alicerces que mantêm de
pé os pressupostos da ficção, que
remontam ao nascimento do gênero como manifestação literária.
Para dar conta desse trabalho,
quixotesco e hercúleo, ele se inventou personagem, um pantagruel onívoro que se alimenta do
que lhe cai à mão ou aos olhos,
tornando seu o que é do mundo,
numa contestação da concepção
de autoria, que remonta a um
tempo pré-industrial, em que a
idéia podia ser colhida nos jardins
comuns do conhecimento.
Nesse sentido, até as pistas sobre possíveis influências que o autor vai largando pelo caminho podem ser falsas. Já foram citados
nomes com Maura Lopes Cançado e Campos de Carvalho -loucos ambos, cada um à sua maneira-, como emuladores da obra
de Nelson, mas, se quisermos bisbilhotar nele alguma ascendência
intelectual, deveríamos procurá-la num escritor desconhecido do
grande público -e do pequeno-, um anárquico formulador
de insanidades chamado Uilcon
Pereira (1936-96). Este, no início
da década de 80, implodiu o romance e das ruínas construiu
uma trilogia, "No Coração dos
Boatos" (1982-84), que sucumbiu
ao veneno de sua ousadia.
Nelson estreou com os contos
de "Os Saltitantes Seres da Lua",
em 1996, desentranhado de um
outro livro, publicado inicialmente em espanhol, em Cuba, com o
título de "Fábulas" e que rendeu
mais dois títulos, "Naquela Época
Tínhamos um Gato" (1998) e
"Treze" (1999). Sua obra continua
com o romance "Subsolo Infinito" (2000), o livro de contos "O Filho do Crucificado" (2001), outro
romance, "A Maldição do Macho" (2002), e agora com esse
"Sólidos Gozosos & Solidões
Geométricas", que no próprio título enfeixa o significado de sua
busca. E essa busca, a uma espécie
de graal literário, em que um crítico genético não conseguiria decifrar as várias camadas de que se
compõe a escrita de Nelson de
Oliveira, é a essência de sua ficção:
a procura da não-autoria, da não-originalidade, da não-literatura.
Há aqueles que o acompanham
nessa cruzada e gostam. Há os
que começaram a segui-lo e o
abandonaram no meio do caminho. E há aqueles que ouviram
sua pregação e o odiaram desde o
princípio dos tempos. Mas, no
fundo, talvez seja isso mesmo que
Nelson de Oliveira procure: a polêmica, a discórdia, a provocação.
Pois seu lema, o que deverá estar
inscrito no brasão de sua família
(literária), deverá ser: se posso
confundir, por que explicar?
Luiz Ruffato é escritor, autor de "Eles
Eram Muitos Cavalos" (2001)
SÓLIDOS GOZOSOS & SOLIDÕES
GEOMÉTRICAS. Autor: Nelson de
Oliveira. Editora: Record. Quanto: R$
23,90 (192 págs.).
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