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LIVROS/LANÇAMENTOS
Flávio Tavares reúne lembranças dos bastidores da política
O poder como novela move memórias de jornalista
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
O título pode remeter a uma ficção. Até porque, se verdadeiro
fosse, estaríamos diante de um fato que mudaria a história política
da América Latina no século 20.
Mas "O Dia em que Getúlio Matou Allende", do jornalista gaúcho Flávio Tavares, 70, não é um
romance. Aproxima-se sim de algo a que se pode chamar de reportagem memorialística, em que fatos históricos misturam-se a observações, impressões e conclusões do próprio autor. No epílogo
do livro, Tavares explica assim o
seu propósito: "Pensei em dois
suicidas, aos quais me vi unido
pelo acaso e entre os quais fantasiei ter estabelecido uma ponte".
Tudo começa em 1954, quando
Tavares era um jovem líder estudantil em visita à China para o 5º
aniversário da revolução comunista. Em Pequim, conhece o então vice-presidente do Senado
chileno, Salvador Allende, que lhe
pede detalhes sobre o suicídio de
Getúlio Vargas, ocorrido dias antes, no Rio. Pouco depois, ambos
voltam a se encontrar, no meio de
uma agitada rua de Xangai, e
Allende teria dito em seu ouvido:
"Me impresionó lo del suicidio".
Dezenove anos mais tarde,
quando Allende, agora presidente
socialista do Chile, caía diante de
um levante militar e cometia ele
também suicídio, Tavares lembrou-se daquela frase. Para o jornalista, ao saber que Vargas se
matara, Allende teria se convencido de que "só o sacrifício eterniza
o poder" e disso teria se lembrado
antes de dar fim à própria vida.
O episódio abre a coletânea de
textos de Tavares. Seguem-se capítulos sobre os bastidores do poder nos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros e João Goulart. "Quero
chamar a atenção para o significado dessas novelas do poder. Por
trás, está a minha sensação, que
cabe a todos os retratados, de que
há uma impenetrabilidade no poder", disse, em entrevista à Folha.
Na segunda parte do livro, Tavares introduz episódios e personagens internacionais, como Frida Kahlo, Che Guevara, De Gaulle, Perón e Stálin.
Tavares foi repórter político nas
décadas de 60 e 70. Manteve uma
coluna no jornal "Última Hora" e
foi preso durante a ditadura. Integrou o grupo dos presos políticos
libertados em 1969 por exigência
dos seqüestradores do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Viveu, então, no México,
onde foi repórter do jornal "Excelsior", e passou 18 anos em Buenos Aires, onde foi correspondente de alguns meios de comunicação, inclusive da Folha.
Em 2000, ganhou um Prêmio
Jabuti com "Memórias do Esquecimento" (ed. Globo), sobre as
prisões da ditadura militar.
Tavares disse que escreveu "O
Dia em que Getúlio Matou Allende" como uma advertência para o
fato de o debate político estar perdendo a importância que costumava ter na sociedade. "O exercício da política virou uma farsa.
Naquela época, havia erros, mas
pelo menos as posições políticas
eram claras. Agora, em toda a
América Latina, o poder é uma
imagem e se faz qualquer coisa
para chegar a ele."
Para Tavares, um exemplo do
enfraquecimento do poder da palavra é que, hoje, seria quase impossível surgir alguém como o
jornalista Carlos Lacerda. "Era
um ansioso, representava certa
paranóia pelo poder e era frontal.
Em termos éticos e pessoais, sempre foi correto. Só queria o poder
pelo poder. Nunca fez uma negociata e arrebanhava suas ovelhas
pela palavra. Um Lacerda hoje talvez fosse impossível. Ainda que,
sem dúvida, necessário."
No capítulo dedicado a Vargas,
Tavares, utilizando de imaginação e de recursos literários ("em
frações de segundos, na escuridão
do quarto, todo o passado de culpas ia e vinha pela memória de
Getúlio"), indaga-se sobre o que
teria o presidente pensado horas
antes de suicidar-se.
Por essa brecha, insere informações sobre o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato. Tavares defende que Fortunato decidiu orquestrar o atentado contra Lacerda por ter se
cansado de ouvir pessoas próximas a Vargas dizerem que o jornalista deveria morrer.
Já o capítulo dedicado a Jango é
o mais rico em detalhes. Além de
sua vivência do período, Tavares
diz ter se baseado, para reconstruí-lo, nas conversas que manteve com o presidente deposto na
época em que ambos estavam exilados em Buenos Aires, entre os
anos de 1974 e 1976.
O jornalista relata, por exemplo,
a curiosa visita oficial de Jango,
em 1962, a uma base militar em
Omaha, nos EUA, onde se fazia o
controle de mísseis nucleares.
"Jango fez brincadeiras com o general que o acompanhava, que se
entusiasmou e mostrou mais coisas a ele do que as que estavam
previstas no programa", conta.
Tavares relata que Jango não entendeu por que lhe mostravam
aquilo. "Foi preciso que se passassem dois anos para que entendesse tudo, a 1º de abril de 1964."
O DIA EM QUE GETÚLIO MATOU
ALLENDE. Autor: Flávio Tavares. Editora:
Record. Quanto: R$ 41,90 (327 págs.).
Lançamento: dia 31, às 19h30, na
Livraria da Travessa (r. Visconde de
Pirajá, 572, Ipanema, Rio); dia 7 de junho,
às 19h, na livraria Cultura (Conjunto
Nacional, avenida Paulista, 2073, SP).
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