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NINA HORTA
Duas rainhas na proa do mesmo lar
Algumas patroas levam no profissionalismo. Outras tentam levar para o lado da amizade, da tolerância
ACREDITO QUE esta história foi
de um programa de TV que
peguei já começado, "Happy
Hour", agora com Lorena Calábria.
No primeiro dia, podia-se ouvir o
chacoalhar de ossos nervosos dela,
mas já pegou o jeito, e o horário está
rendendo o que tem que render, boa
informação e divertimento.
E quem a Calábria entrevistava
quando liguei a TV? Empregadas e
patroas, comentando o relacionamento das duas rainhas do lar. E
realmente há modos e modos de encarar essa relação. Algumas patroas
levam no maior profissionalismo,
querem isto e aquilo. E pagam por
isto e aquilo. Se a menina não corresponder ao combinado, et cetera e
tal, está despedida. Se corresponder
ao combinado, tanto melhor para as
duas. Outras tentam levar para o lado da amizade, da tolerância, da
compreensão. Tentam.
Falou-se sobre tudo, inclusive
uniformes. Se quase todas as profissões os exigem, porque a empregada
doméstica não teria orgulho do seu?
Mas geralmente não tem. Chega de
minissaia, uma borboleta furta-cor
de sutiã, paetês brilhando, lábios
rubros, barriga de fora e só. Uma
messalina tirando o pó e passando
roupa. É difícil pedir a ela que use
uma calça e camiseta, mas é preciso.
O que fazer?
No programa, uma das empregadas, já muito antiga na casa, boa cantora, acabara de ganhar um disco dela gravado no estúdio da patroa. E
ela, que estava nos trinques, bem
vestida, avisou que uniforme é melhor.
"O que adianta a patroa me levar
para sair e eu me arrumar toda do
jeito que ela anda, isto é, querer me
fazer passar por amiga dela? No primeiro encontro que tivermos e eu
abrir a boca, vão ver que sou uma boba fantasiada de patroa. Nem entendo do que estão falando, cada uma
no seu galho é melhor."
A certa altura, passaram um filminho captado por câmera escondida
em que a patroa saía, e a empregada
voava pela casa no triciclo do garoto,
uma coisa engraçadíssima. Quem
diria que uma adulta teria aquela
vontade de ficar de bicicletinha de
três rodas pela casa, pelas salas, pelos quartos? Nada demais, mas uma
pândega.
A patroa se virou para a tal empregada sábia e cantora e comentou:
"Acho que não existe nada que você
queira fazer lá em casa que não faça,
não é?".
A moça sacudiu a cabeça num sim,
mas ficou de olho parado e resolveu
contar a verdade. Estava tão à vontade ali, com o sorriso da Lorena, a
simpatia da patroa...
"A senhora sabe aqueles Budas
que ficam sentados nas mesas de vidro, no meio da sala? Bem que eu tenho um sonho... É me transformar
em um, dobrar as pernas e ficar lá
imóvel, enquanto o mundo inteiro
girasse à minha volta."
Era de se ver a cara da patroa, caiu
o queixo, mesmo, nunca lhe passaria
pela cabeça que uma cozinheira tão
paparicada quisesse entrar em alfa,
em absoluto retiro espiritual. Pois é.
Complicado esse relacionamento. E
ainda tem aquelas que gostam de
discutir a relação diariamente, um
trabalho...
A Betty Lago, em "Saia Justa", de
vez em quando fala do seu relacionamento com a empregada. Saem juntas, viajam juntas, brigam, fazem as
pazes, é uma amiga. Na hora do almoço é possível encontrar a moça
sentada no sofá, perguntando de onde vão encomendar o almoço, do
chinês de palitinho, ou um bom
hambúrguer?
Cada uma vai resolvendo o problema a seu jeito, pois é um problema, com certeza, o encontro de duas
personalidades tão diferentes na
proa da mesma casa. Enquanto isso,
uma delas não entrava no escritório
nem morta. A patroa estranhou,
chamou às falas, e ela, de nariz
arrebitado: "Tá pensando o quê? Este negócio aí, o computador, cheio
de vírus, e eu passando pano nele?
Pra lá, de vírus chega os do ônibus
com o pessoal espirrando na minha
cacunda...".
ninahorta@uol.com.br
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