São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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NINA HORTA

Duas rainhas na proa do mesmo lar

Algumas patroas levam no profissionalismo. Outras tentam levar para o lado da amizade, da tolerância

ACREDITO QUE esta história foi de um programa de TV que peguei já começado, "Happy Hour", agora com Lorena Calábria. No primeiro dia, podia-se ouvir o chacoalhar de ossos nervosos dela, mas já pegou o jeito, e o horário está rendendo o que tem que render, boa informação e divertimento.
E quem a Calábria entrevistava quando liguei a TV? Empregadas e patroas, comentando o relacionamento das duas rainhas do lar. E realmente há modos e modos de encarar essa relação. Algumas patroas levam no maior profissionalismo, querem isto e aquilo. E pagam por isto e aquilo. Se a menina não corresponder ao combinado, et cetera e tal, está despedida. Se corresponder ao combinado, tanto melhor para as duas. Outras tentam levar para o lado da amizade, da tolerância, da compreensão. Tentam.
Falou-se sobre tudo, inclusive uniformes. Se quase todas as profissões os exigem, porque a empregada doméstica não teria orgulho do seu?
Mas geralmente não tem. Chega de minissaia, uma borboleta furta-cor de sutiã, paetês brilhando, lábios rubros, barriga de fora e só. Uma messalina tirando o pó e passando roupa. É difícil pedir a ela que use uma calça e camiseta, mas é preciso.
O que fazer?
No programa, uma das empregadas, já muito antiga na casa, boa cantora, acabara de ganhar um disco dela gravado no estúdio da patroa. E ela, que estava nos trinques, bem vestida, avisou que uniforme é melhor.
"O que adianta a patroa me levar para sair e eu me arrumar toda do jeito que ela anda, isto é, querer me fazer passar por amiga dela? No primeiro encontro que tivermos e eu abrir a boca, vão ver que sou uma boba fantasiada de patroa. Nem entendo do que estão falando, cada uma no seu galho é melhor."
A certa altura, passaram um filminho captado por câmera escondida em que a patroa saía, e a empregada voava pela casa no triciclo do garoto, uma coisa engraçadíssima. Quem diria que uma adulta teria aquela vontade de ficar de bicicletinha de três rodas pela casa, pelas salas, pelos quartos? Nada demais, mas uma pândega.
A patroa se virou para a tal empregada sábia e cantora e comentou: "Acho que não existe nada que você queira fazer lá em casa que não faça, não é?".
A moça sacudiu a cabeça num sim, mas ficou de olho parado e resolveu contar a verdade. Estava tão à vontade ali, com o sorriso da Lorena, a simpatia da patroa...
"A senhora sabe aqueles Budas que ficam sentados nas mesas de vidro, no meio da sala? Bem que eu tenho um sonho... É me transformar em um, dobrar as pernas e ficar lá imóvel, enquanto o mundo inteiro girasse à minha volta."
Era de se ver a cara da patroa, caiu o queixo, mesmo, nunca lhe passaria pela cabeça que uma cozinheira tão paparicada quisesse entrar em alfa, em absoluto retiro espiritual. Pois é.
Complicado esse relacionamento. E ainda tem aquelas que gostam de discutir a relação diariamente, um trabalho...
A Betty Lago, em "Saia Justa", de vez em quando fala do seu relacionamento com a empregada. Saem juntas, viajam juntas, brigam, fazem as pazes, é uma amiga. Na hora do almoço é possível encontrar a moça sentada no sofá, perguntando de onde vão encomendar o almoço, do chinês de palitinho, ou um bom hambúrguer?
Cada uma vai resolvendo o problema a seu jeito, pois é um problema, com certeza, o encontro de duas personalidades tão diferentes na proa da mesma casa. Enquanto isso, uma delas não entrava no escritório nem morta. A patroa estranhou, chamou às falas, e ela, de nariz arrebitado: "Tá pensando o quê? Este negócio aí, o computador, cheio de vírus, e eu passando pano nele? Pra lá, de vírus chega os do ônibus com o pessoal espirrando na minha cacunda...".


ninahorta@uol.com.br

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