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Após conselhos, professora conquista Jabuti
Orientação de Drummond levou amiga que o conheceu por carta a ganhar troféu de autor revelação em 1984
Remetentes do poeta
guardam com zelo a
correspondência trocada e alguns
fazem livros e cursos
DO ENVIADO A SÃO JOÃO DA BOA VISTA
Em 1980, abalada pela leitura do poema "A Morte a Cavalo", que lhe evocou perdas
familiares, a professora particular Yola Azevedo, de São
João da Boa Vista (SP), escreveu uma carta ao autor, Carlos Drummond de Andrade.
O poeta respondeu: "Quero agradecer comovidamente suas palavras tão espontâneas e amigas. "A Morte a Cavalo" resulta da experiência
de uma vida já longa, em que
as perdas de seres amados
não são compensáveis por
afeições novas. Sou o sobrevivente da família; meus cinco irmãos partiram, inclusive
a irmã mais nova do que eu".
Eles nunca tinham se visto. Foi o início de uma amizade ancorada por correspondência que durou até a morte
de Drummond, em 1987.
Chegaram a se encontrar
algumas vezes no Rio, mas,
ela mesma admite, "era muito melhor por carta, não tinha urgência de tempo".
INCENTIVADOR
Percebendo o bom texto
da amiga, o poeta a estimulou a escrever.
Yola hesitou, mas acabou
por mandar a ele os originais
de um romance. Numa longa
carta em 1982, após ler o primeiro capítulo, Drummond
deu à amiga quase uma oficina literária por via postal.
São dicas como: "Dizer por
exemplo que uma sucessão
de mortes "é incrível", está
bem quando é a pessoa imaginária quem fala, mas para
o escritor nada é incrível, inenarrável, assombroso".
"Os adjetivos desse tipo
são uma fuga à obrigação de
definir o fato ou a sensação.
Uma sucessão de mortes,
brutal e imprevista que seja,
pode ser contada também de
maneira brusca e seca: "Perdeu o irmão num acidente, o
pai de infarto, a mãe de trombose. Em três meses." (Ou cinco, ou seis). (...) Já o leitor,
vendo isso, tem o direito de
dizer: "É incrível!'".
Ou: "Acho bom, também,
evitar expressões estereotipadas, como "divino milagre"
(todo milagre é divino), "fazer
das tripas coração" (...), que
são lugares-comuns. Deixar
de lado, igualmente, citações
desnecessárias, como a do
inferno de Dante, que se popularizou e é usada por todo
mundo que nunca se aproximou da "Divina Comédia". Citação é ótima quando totalmente inesperada".
Yola acatou tudo. Lançou
"A Reconquista" em 1984 e
ganhou com ele o prêmio Jabuti de autor revelação.
A professora conserva em
casa, organizadas em pastas,
dezenas das cartas de Drummond, todas carregadas de
afeto e gentileza.
Mas nunca guardou o que
escreveu para ele. A reportagem leu o trecho de uma carta dela a ele, pinçada no arquivo do Rio: "Mas nossos
afetos deveriam ser eternos
e, cada vez que me fala dessa
dor no peito, a dor se desdobra aqui no meu peito, feito
um arrancamento a frio".
VAMOS PARAR POR AÍ
Yola interrompeu, com a
voz embargada ("Vamos parar por aí"), e não ouviu o trecho final, quando escreveu:
"Através de sua ajuda eu ressuscitei, eu renasci (...). Bendita a hora em que nos encontramos -bendito encontro, meu Deus, que me permitiu a segunda chance".
Ao que Drummond retrucou: "Yola, Yola, não exageremos, querida. Não fui eu
que fiz você ressuscitar".
Em 1988, após a morte de
Drummond, a professora escreveu outro romance, este
sem a orientação do amigo.
Considera-o péssimo e tem
vontade de queimar os exemplares que restam.
"No fim escrevi só por ele e
para ele, a verdade é essa."
A frase soa duplamente
verdadeira, quando se sabe
que Yola não fez o que fizeram muitos "amigos de cartas" de Drummond, publicando a correspondência
com ele ou mantendo por outros meios a memória da amizade ilustre.
É o caso da artista plástica
Anna Maria Badaró, de Campinas. Ela escreveu durante
anos cartas ao poeta que
nunca teve coragem de mandar. Um dia leu uma crônica
na qual Drummond dizia
que, nos dias de chuva, gostava de rasgar papeis.
Anna Maria supôs que ele
rasgaria as cartas dela, criou
coragem e enviou.
Manteve até a morte a amizade epistolar com o poeta,
que sempre lhe foi afetuoso.
A artista tem espalhadas
por sua casa telas que pintou
de Drummond. Em 2003 escreveu um livro ("Drummond Inesgotável") e dá
workshops sobre o escritor e
a sua história com ele.
Edmílson Caminha é outra
testemunha da solicitude de
Drummond que transformou
em livro a experiência ("A Lição do Poeta").
DOCE DE CAJU
Ensinava português e literatura em colégios de Fortaleza em 1978, quando enviou
ao poeta um livro de versos
que publicara. Em resposta,
Drummond agradeceu a
"boa carta" e "a poesia jovem". "Ele foi educado, era
um cavalheiro, porque a poesia era ruim mesmo", reconhece o admirador, jornalista concursado que hoje escreve discursos na Câmara
dos Deputados.
Caminha insistiu nas cartas (também mandava às vezes doce de caju), teve todas
respondidas e tornou-se amigo leal do poeta. Drummond
fez versinhos para as filhas
do professor, o recebeu em
casa no Rio, concedeu-lhe
uma longa entrevista, publicada em 1984 no "Diário do
Nordeste", de Fortaleza.
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