São Paulo, sábado, 29 de maio de 2010 |
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CRÍTICA ROMANCE Narrativa póstuma é o ápice da carreira de Roberto Bolaño
Mistura de gêneros, "2666" tem enredo monumental
e garante ao escritor um lugar definitivo na literatura
JOCA REINERS TERRON ESPECIAL PARA A FOLHA "2666", o romance-cachalote de Roberto Bolaño (1953-2003), foi publicado um ano após sua morte, em 2004. Como se sabe, o chileno pretendia que as partes componentes do extenso volume viessem a público em cinco diferentes livros, ideia rechaçada pelo editor Jorge Herralde e por Ignacio Echevarría, seu testamenteiro literário. Sua intenção era garantir a segurança financeira da prole, mas o desmembramento não foi necessário. Assim como no cachalote, todas as partes desse romance enigmático são usufruíveis. Espécime raro da família de "Moby Dick", o clássico seminal de Melville, "2666" é um romance total. Encontra-se quase de tudo nele: do gênero romântico de "A Parte dos Críticos" ao relatório médico-legal de "A Parte dos Crimes"; do policial "hard-boiled" de "A Parte de Fate" à falsa biografia de "A Parte de Archimboldi". A trama de "2666" corre subterrânea entre dois pontos, a nascente localizando-se em Benno von Archimboldi, desaparecido escritor que reúne à volta de seu nome um quarteto de críticos. Da relação profissional dos pesquisadores, nascida em infindáveis congressos, surgirá a quadrangulação amorosa e uma viagem à cidade mexicana de Santa Teresa, morredouro de mulheres e também do enredo. CIDADE DE CRIMES Santa Teresa refere-se à fronteiriça Ciudad Juárez, e os crimes que lá ocorrem saíram do levantamento jornalístico realizado entre 1993 e 2002 pelo jornalista mexicano Sergio González. Ao seguirem até a cidade as pistas de Archimboldi, os críticos se deparam com o morticínio em meio ao marasmo sugerido pela epígrafe de Baudelaire no livro. Passamos então a acompanhar a derrocada do chileno Amalfitano e sua filha Rosa e, na parte seguinte, do jornalista Oscar Fate. Após a descrição metódica de "A Parte dos Crimes", é narrada a história de Von Archimboldi, a partir da Segunda Guerra. Então tudo encontra seu fim nas areias desérticas de Santa Teresa. Em vários aspectos da cosmogonia criada por Bolaño, e acrescente-se aí sua conotação terminal (o livro foi concluído poucos meses antes da morte do autor), "2666" é a suma de uma obra. Movidas pela ambição de erigir um monumento à geração de jovens desaparecidos pelas ditaduras latinas do século 20, essas histórias fixam o horror ao nosso modo do sul do mundo, relacionando-o ao nazismo. Exilado e nômade, é como se Roberto Bolaño encontrasse sua pátria definitiva na literatura. JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Cia. das Letras) 2666 AUTOR Roberto Bolaño TRADUÇÃO Eduardo Brandão EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 55 (856 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Raio X: Célia Helena Próximo Texto: Crítica/Poesia: Versos de Keats têm tradução cuidadosa Índice |
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