São Paulo, sábado, 29 de maio de 2010

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CRÍTICA

POESIA


Versos de Keats têm tradução cuidadosa

Reedição mostra como o vínculo entre a ética e a estética marca a produção poética do autor romântico inglês

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

""A beleza é a verdade, a verdade a beleza" -é tudo/ O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber." Talvez na voz de outro poeta, estes versos tão assertivos e solenes soassem como presunção.
Não na voz de Keats (1795-1821), entretanto, para quem este era o fundamento da vida (que durou apenas 24 anos) e que conseguiu atingir esta coincidência -entre Verdade e Beleza- em sua poesia.
Na aurora do romantismo inglês, "Verdade" e "Beleza", em maiúsculas e no singular, ainda faziam sentido.
O vínculo idealista entre a ética (aqui representada pela "Verdade") e a estética (a "Beleza") tinha significação fundamental tanto para a filosofia como para a poesia.
Hoje estas mesmas palavras são, ao contrário, utilizadas somente em minúsculas e no plural. Temos verdades e belezas.
No livro "Ode sobre a Melancolia e Outros Poemas", da editora Hedra, Péricles Eugênio da Silva Ramos faz um estabelecimento de texto cuidadoso, em que percorre alguns dos caminhos que levaram o poeta a este lugar desconhecido, onde está reunido "tudo o que devemos saber na terra".
O crítico e tradutor (e também poeta da geração de 45), mostra, no prefácio, como o próprio Keats escreveu sobre a equivalência entre "Verdade" e "Beleza", defendendo ainda outros valores de grandezas semelhantes, como a intensidade, a capacidade de manter-se em permanente estado de incerteza e o esvaziamento da personalidade.

ALTERIDADE
Este último, para Keats, é um traço essencial para que, num poema, ressoe o Belo intacto, não corrompido pelos caprichos do Eu. "O poeta é o mais impoético de tudo o que existe, porque não tem identidade; continuamente adentra e enche outro corpo." Tudo isso muito antes de surgir, por exemplo, um poeta como Fernando Pessoa, que fez dessa alteridade, ou da heteronomia, uma prática de vida e da poesia.
A "Ode sobre uma Urna Grega", a "Ode a um Rouxinol" e a "Ode sobre a Melancolia" são apenas três dentre vários outros poemas em que se leem a melancolia aliada à alegria, o passado ao presente, a morte à vida, e todas no limite mais belo da linguagem poética.
Mas, embora tanto o prefácio como as traduções desta reedição (originalmente publicada pela Art Editora, em 1985) tenham caráter referencial para os estudiosos e interessados na poesia de Keats, há traduções melhores para vários de seus poemas, como, por exemplo, as de Augusto de Campos para o "Endimião" ou para a "Ode sobre uma Urna Grega" (Unicamp, 2009).
Enquanto Silva Ramos elimina as rimas e o metro fixo, mantendo somente o andamento, Augusto de Campos escolhe um metro e mantém as rimas, além de alcançar efeito poético equivalente ao do idioma inglês, em língua portuguesa.
Como traço de fidelidade ao original, a tradução de Silva Ramos tem muitos méritos. Mas a tradução poética, já se sabe, não é somente uma questão de fidelidade ao conteúdo.


ODE SOBRE A MELANCOLIA E OUTROS POEMAS

AUTOR John Keats
TRADUÇÃO Péricles Eugênio da Silva Ramos
EDITORA Hedra
QUANTO R$ 15 (154 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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