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Premiado, "A Alma do Osso" estreia com atraso de seis anos
Documentário que registra cotidiano de eremita foi vencedor do É Tudo Verdade em 2004
Diretor Cao Guimarães, que também é artista plástico, filmou uma adaptação de "Catatau", de Paulo Leminski
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
Em 2004, quando foi exibido no festival de documentários É Tudo Verdade, em São
Paulo, "A Alma do Osso" arrebatou os dois principais
prêmios do evento: o de melhor filme da competição nacional e o da competição internacional.
Em qualquer lugar, essa
dupla e prestigiosa premiação seria um incentivo para o
longa entrar logo em cartaz.
Não foi o caso no Brasil.
"Alma do Osso", que registra o cotidiano de um eremita
nas montanhas de Minas Gerais, ficou engavetado.
Seu lançamento nos cinemas do país só ocorreu ontem, quase seis anos após
sua exibição no festival.
Enquanto esperava a difusão do filme, o diretor e artista plástico Cao Guimarães,
45, não cruzou os braços.
Fez dez curtas-metragens,
outros dois longas ("Acidente", 2006, e "Andarilho",
2007), foi convidado para os
festivais de Cannes e Veneza,
participou duas vezes da Bienal de São Paulo, realizou várias exposições e acaba de filmar "Ex-isto", a primeira versão cinematográfica de "Catatau", romance do poeta
Paulo Leminski (1944-1989).
"O livro de Leminski, na
verdade, é infilmável, é um
vertiginoso fluxo de linguagem. O que eu fiz foi uma livre adaptação", explica Guimarães, sobre "Ex-isto".
OUSADIA
De fato, "Catatau" (1975) é
um dos experimentos mais
ousados da literatura brasileira -e também uma reflexão sem amarras conceituais
a respeito da cultura do país
e da relação entre linguagem
e pensamento.
Numa escrita que não faz
distinção entre prosa e poesia, Leminski narra no livro
as desventuras tropicais do
personagem René Descartes-Renatus Cartesius, que ele
imagina aportando em Recife, com a esquadra de Maurício de Nassau.
O ator João Miguel (de "Cinema, Aspirinas e Urubus")
interpreta o protagonista, cuja crença na razão é colocada
à prova pela mixórdia cultural e pelo sensualismo
brasileiros -até deparar-se
com o fracasso total da metafísica. O filme termina
com Descartes-Cartesius
inteiramente nu, deitado
no colo de uma negra.
Miguel é o único ator de
"Ex-isto", feito em 15 dias,
por seis pessoas e com orçamento de R$ 200 mil.
ESTRANHAMENTO
Os filmes de Guimarães
são diferentes do que costuma ser exibido nas salas
de cinema: não se atêm aos
esquemas narrativos e estilísticos habituais, nascem
de uma linguagem livre e
postulam um desejo de experimentação constante.
Se podem causar estranheza no público de cinema
e apreensão no mercado cinematográfico, no meio das
artes, entretanto, são recebidos com grande interesse.
"As artes plásticas hoje
são muito mais abertas a várias formas de linguagem do
que o mundo do cinema, cujo sistema de produção industrial se tornou muito pesado, criando um ambiente
bastante cruel para os artistas", afirma Guimarães, que
já teve seus trabalhos adquiridos por museus como o MoMA (Nova York) e a Tate Modern (Londres).
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