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LIVROS/LANÇAMENTOS
"A SEREIA VERMELHA"
Francês transpõe sua visão da cybercultura para romances que se movem entre crime, guerra e morte
Dantec abre sua literatura "diabólica"
Reuters
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Imagem de região fronteiriça de Exércitos rivais em Sarajevo, um dos cenários do romance "A Sereia Vermelha", do escritor francês Maurice Dantec, que chega ao Brasil pela editora Objetiva |
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Um pós-punk desempregado
recebe uma encomenda para escrever um thriller "noir" que obtém uma boa repercussão. Quase
uma década e três romances depois, Maurice G. Dantec, 42, se
transformou em um dos principais nomes da ficção futurista.
Em seu universo, a paranóia
tecno-militar e o contra-poder
terrorista são as armas ambivalentes nas mãos da elite financeira
global. E a tecnologia é tratada como a mola-mestra da nova fase da
história, a ferramenta capaz de
produzir tanto novas forças físicas quanto inesperadas mutações
morais.
Depois de "A Sereia Vermelha",
sua literatura firmou-se nos mais
ousados "Les Racines du Mal"
(Raízes do Mal) e "Babylon Babies", com os quais sua associação
ao universo da cyberliteratura, capitaneada por William Gibson,
tornou-se mais evidente.
Dantec não recusa a filiação,
mas é mais fácil encontrar em seu
DNA literário os genes de Philip
K. Dick e de J.G. Ballard.
Leia abaixo trecho da entrevista
concedida por Dantec à Folha.
Folha - Antes de se tornar escritor, você foi músico. Como aconteceu a passagem à literatura?
Maurice G. Dantec - Minha passagem à literatura aconteceu após
uma situação de desemprego e
durante a Guerra do Golfo, que foi
um acontecimento determinante
para essa decisão. Fiz música,
punk rock e cold wave, entre 77 e
83, depois, entre 87 e 90, trabalhei
como redator em agências de publicidade. A primeira guerra cibernética da história, confrontada
à inatividade forçada, me fez refletir sobre minha condição e isso
resultou em uma recusa de me
comprometer com a alienação
mercantil e sobretudo com a indústria que se ocupa de propagandeá-la.
Folha - "A Sereia Vermelha" é um
thriller fácil (e emocionante) de ler.
Você busca deliberadamente produzir uma literatura popular?
Dantec - Durante a Guerra do
Golfo produzi um esboço de um
livro que só agora estou concluindo. Na época, diante da recusa de
editores, mas com a porta aberta
por Patrick Raynal, diretor da
"Série Noire" [coleção de romances policiais publicada pela editora francesa Gallimard", eu escrevi
"A Sereia Vermelha" em seis meses, em troca de um pequeno
adiantamento sobre os direitos, o
que me permitiu imaginar um futuro mais interessante do que ser
empregado de telemarketing, ou
pior, professor colegial.
Não recuso a etiqueta "pop". Tive a oportunidade de produzir,
como alguns músicos de rock, livros mais "pop" que outros.
Folha - Você define sua literatura
como "diabólica". O que é isso?
Dantec - Minha literatura é matriz produtiva na qual eu insiro as
coordenadas do mundo contemporâneo. Esse é um mundo da
técnica, um mundo "demiúrgico", "demoníaco", que nem sempre escapa dos princípios da natureza. Nossa ciência não nos conduziu a nenhuma real transformação antropológica. Nós vivemos integralmente, como Nietzsche já sabia há mais de um século,
sob o reino totalizado dos "humanismos" socialistas ou mercantis,
sob o reino do homem-demiurgo,
o homem da dialética moderna,
depois pós-moderna. Esse homem mostrou do que era capaz
durante o século 20. O século 21 é
bastante promissor para o diabo.
Folha - Eva K. é uma assassina e
uma mulher de negócios. Na sua visão, crime e capitalismo são indissociáveis?
Dantec - Toda sociedade de produção está baseada em um crime
original. A Bíblia ensina isso.
Também sobre isso Georges Bataille foi bastante claro. E Freud. O
capitalismo não é mais inocente
ou mais culpado do que qualquer
das outras civilizações da escrita
que o antecederam. Toda literatura se concentra na questão do crime. Toda literatura autêntica conta a história de um pacto secreto
com a morte, toda literatura é
uma literatura "noir".
Folha - "A Sereia Vermelha" é assombrado pelo fantasma da Bósnia. Depois disso, testemunhamos
os massacres em Kosovo, o 11 de
setembro, as ocupações israelenses de territórios palestinos. Você
acredita que já estamos vivendo
uma era de quase apocalipse?
Dantec - Será que ninguém se
deu conta de que "quatro" cavaleiros de fogo surgiram no céu,
pela manhã, na Costa Leste dos
Estados Unidos há quase um ano?
O Armagedon, na minha opinião, aconteceu e ousar afirmar
isso acarretou receber comentários bastante desagradáveis na
imprensa bem pensante francesa.
Mas eu gostaria de lembrar que
minha constatação da "morte do
homem" nem é uma idéia nova.
Michel Foucault, por exemplo,
entre muitos outros, já havia
apontado esse fato há mais de 30
anos.
Vivemos uma semi-vida de
adoração ao ídolo tecno-mercantil pelo menos desde 1945. No 11
de setembro, um sinal apareceu
no encefalograma feito em nossas
civilizações pós-modernas e humanitárias. Esperamos que ele
permaneça e que o paciente, a
qualquer momento, desperte.
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