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Revolta marca diário de guerra de médico
MARIANNE NISHIHATA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ser médico e atuar na infantaria.
Presenciar as mínimas condições
humanas a que os soldados eram
submetidos. Essas foram as principais angústias de Massaki Udihara (1913-81) no período em que
defendeu o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália.
Entre 29 de junho de 1944 e 16
de junho de 1945, ele relatou no
papel essas revoltas e pontos de
vista, que agora, 58 anos depois,
estão sendo publicados como
"Um Médico Brasileiro no Front:
Diário de Massaki Udihara na II
Guerra Mundial".
O caderno de anotações que
carregou em circunstâncias desfavoráveis foi preservado por sua
mulher, Maria Haramura, e por
Maria Lucia Udihara, sua filha. O
médico deixou boa parte do material datilografado.
Foi nesse processo que Maria
Lucia, 51 anos, encontrou o material, após a morte do pai. Estava
esquecido em um armário e ela
resolveu terminar de transcrever
os escritos. "Sempre soube da
existência do diário, mas, ao lê-lo
e datilografá-lo, pude entender
muitas coisas sobre meu pai. Ele
era fechado, de poucas palavras,
mas soltava tudo na escrita", diz.
O brasileiro descendente de japoneses fez parte da FEB (Força
Expedicionária Brasileira) como
oficial da reserva. Embarcou como 1º tenente de infantaria do 6º
RI (Regimento de Infantaria) em
2 de julho de 1944. Assim como os
companheiros do 1º Escalão, não
sabia para onde seria levado, até
chegar a Nápoles, na Itália.
A partir daí começam seus relatos em relação às situações a que
eram submetidos os soldados, ao
precário serviço médico, ao desprezo dos superiores.
No começo da atuação da FEB,
culpa os italianos por sua estada
na guerra, como em trecho de 28
de setembro de 1944. "(...) Vejo
como os italianos são culpados
pela nossa estada aqui: se não fosse por eles, estaria em casa."
O que o motivava a enfrentar a
guerra era a vontade de reencontrar sua noiva, Maria Haramura, a
quem dedicava versos escritos em
inglês. Para diminuir a saudade,
trocou cartas com Maria de 15 de
julho de 1944, a bordo do navio
para a Itália, até 4 de junho de
1945. São mais de 300 correspondências, intactas até hoje. Entretanto as que ele recebia e que são
descritas no diário não foram
guardadas por Udihara.
Um dos tenentes bastante citado no diário, o também médico
José Álfio Piason, se lembra das
cenas. "Ele escrevia uma carta por
dia para a noiva. Foi um grande
amigo meu", afirma.
Massaki Udihara fazia parte de
um grupo de intelectuais nipo-brasileiros. Seu gosto pela escrita
apareceu já na década de 30,
quando teve artigos publicados
nas revistas "Gakusei" e "Transição", todos em português. Também dominava o japonês, o italiano e o inglês.
Quando rumou para a Itália, tinha se formado havia quatro anos
pela Universidade de São Paulo.
Foi o primeiro descendente japonês a concluir o curso de medicina na instituição, em 1939. No ano
seguinte, foi a vez de Shizuo Hosoe. Para ter uma idéia, no ano
passado 25 médicos "nikkeis"
(descendentes japoneses) se formaram pela USP.
A qualidade literária de Udihara
chamou a atenção de historiadores. "Seu texto é muito forte e tem
uma preocupação estilística. Ele
não glorifica a guerra, ele vê a
guerra", afirma o historiador Roney Cytrynowicz.
Por sua atuação na FEB, o médico recebeu a medalha Cruz de
Combate, a Medalha de Guerra e
a Medalha de Campanha. Todo o
seu acervo está em poder da Sociedade Brasileira e Japonesa de
Beneficência Santa Cruz.
UM MÉDICO BRASILEIRO NO FRONT:
DIÁRIO DE MASSAKI UDIHARA NA II
GUERRA MUNDIAL. Autor: Massaki
Udihara. Publicação: Narrativa Um,
Hacker Editores, Imprensa Oficial do
Estado e Museu Histórico da Imigração
Japonesa. Quanto: R$ 38 (378 págs.).
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