São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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Revolta marca diário de guerra de médico

MARIANNE NISHIHATA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ser médico e atuar na infantaria. Presenciar as mínimas condições humanas a que os soldados eram submetidos. Essas foram as principais angústias de Massaki Udihara (1913-81) no período em que defendeu o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália.
Entre 29 de junho de 1944 e 16 de junho de 1945, ele relatou no papel essas revoltas e pontos de vista, que agora, 58 anos depois, estão sendo publicados como "Um Médico Brasileiro no Front: Diário de Massaki Udihara na II Guerra Mundial".
O caderno de anotações que carregou em circunstâncias desfavoráveis foi preservado por sua mulher, Maria Haramura, e por Maria Lucia Udihara, sua filha. O médico deixou boa parte do material datilografado.
Foi nesse processo que Maria Lucia, 51 anos, encontrou o material, após a morte do pai. Estava esquecido em um armário e ela resolveu terminar de transcrever os escritos. "Sempre soube da existência do diário, mas, ao lê-lo e datilografá-lo, pude entender muitas coisas sobre meu pai. Ele era fechado, de poucas palavras, mas soltava tudo na escrita", diz.
O brasileiro descendente de japoneses fez parte da FEB (Força Expedicionária Brasileira) como oficial da reserva. Embarcou como 1º tenente de infantaria do 6º RI (Regimento de Infantaria) em 2 de julho de 1944. Assim como os companheiros do 1º Escalão, não sabia para onde seria levado, até chegar a Nápoles, na Itália.
A partir daí começam seus relatos em relação às situações a que eram submetidos os soldados, ao precário serviço médico, ao desprezo dos superiores.
No começo da atuação da FEB, culpa os italianos por sua estada na guerra, como em trecho de 28 de setembro de 1944. "(...) Vejo como os italianos são culpados pela nossa estada aqui: se não fosse por eles, estaria em casa."
O que o motivava a enfrentar a guerra era a vontade de reencontrar sua noiva, Maria Haramura, a quem dedicava versos escritos em inglês. Para diminuir a saudade, trocou cartas com Maria de 15 de julho de 1944, a bordo do navio para a Itália, até 4 de junho de 1945. São mais de 300 correspondências, intactas até hoje. Entretanto as que ele recebia e que são descritas no diário não foram guardadas por Udihara.
Um dos tenentes bastante citado no diário, o também médico José Álfio Piason, se lembra das cenas. "Ele escrevia uma carta por dia para a noiva. Foi um grande amigo meu", afirma.
Massaki Udihara fazia parte de um grupo de intelectuais nipo-brasileiros. Seu gosto pela escrita apareceu já na década de 30, quando teve artigos publicados nas revistas "Gakusei" e "Transição", todos em português. Também dominava o japonês, o italiano e o inglês.
Quando rumou para a Itália, tinha se formado havia quatro anos pela Universidade de São Paulo. Foi o primeiro descendente japonês a concluir o curso de medicina na instituição, em 1939. No ano seguinte, foi a vez de Shizuo Hosoe. Para ter uma idéia, no ano passado 25 médicos "nikkeis" (descendentes japoneses) se formaram pela USP.
A qualidade literária de Udihara chamou a atenção de historiadores. "Seu texto é muito forte e tem uma preocupação estilística. Ele não glorifica a guerra, ele vê a guerra", afirma o historiador Roney Cytrynowicz.
Por sua atuação na FEB, o médico recebeu a medalha Cruz de Combate, a Medalha de Guerra e a Medalha de Campanha. Todo o seu acervo está em poder da Sociedade Brasileira e Japonesa de Beneficência Santa Cruz.


UM MÉDICO BRASILEIRO NO FRONT: DIÁRIO DE MASSAKI UDIHARA NA II GUERRA MUNDIAL. Autor: Massaki Udihara. Publicação: Narrativa Um, Hacker Editores, Imprensa Oficial do Estado e Museu Histórico da Imigração Japonesa. Quanto: R$ 38 (378 págs.).



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