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LIVRO/LANÇAMENTO
"O TERROR"
Gênero que fez da arquitetura gótica uma estrutura narrativa ganha dimensão nova no texto do autor galês
Arthur Machen recria horror a céu aberto
ELIANE ROBERT MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O castelo mal-assombrado
foi, durante muito tempo,
cenário privilegiado dos contos
de terror. No início do século 19, o
"roman noir", também chamado
de gênero gótico, fez milhares de
leitores mergulharem em suas páginas sombrias para acompanhar
as desventuras de inocentes heroínas que, perseguidas por sanguinários vilões, viviam enclausuradas em sinistras fortalezas medievais.
Palco de vinganças, assassinatos, paixões proibidas e revelações inconfessáveis, as arquiteturas góticas fundaram a moderna
literatura de horror, firmando as
convenções de um gênero no
qual, segundo Paul Éluard, "o castelo é o herói".
Lugar arcaico e ponto de partida
da modernidade, essas construções imaginárias foram objeto de
inúmeras recriações, entre as
quais figuram a sinistra casa de
Usher, de Edgar Allan Poe, e a soturna mansão do conde Drácula,
de Bram Stoker. Não deixa de ser
curioso, portanto, que um dos
grandes mestres do gênero, o galês Arthur Machen (1863-1947),
tenha privilegiado os cenários a
céu aberto em suas histórias sobrenaturais.
Um avião é derrubado por um
bando de bombos; uma adolescente é encontrada despedaçada
sobre um rochedo; um navio desaparece sem deixar sinal de vida;
corpos em decomposição são
descobertos em uma aldeia. Esses
são alguns dos episódios inexplicáveis que o Dr. Lewis, narrador e
principal personagem de "O Terror", busca desvendar ao longo da
narrativa, para enfim descobrir
um inusitado elo entre eles.
O romance, que apresenta o autor ao público brasileiro, é ambientado em região afastada do
oeste de Gales, durante a Primeira
Guerra Mundial. Na medida em
que os terríveis acontecimentos se
passam em espaços abertos, e não
mais na clausura de um castelo,
sua ocorrência deixa de ser apenas a expressão interior da maldade humana para expor as dimensões exteriores de um mal que se
alastra por toda a coletividade.
O texto trava diálogo denso com
atrocidades da guerra, denunciando a miséria da condição humana em tempos bélicos. Menos
que as cenas de terror, são as hipóteses levantadas pelo médico e
por seus companheiros que dão o
ponto alto da narrativa.
Por isso mesmo, "O Terror" pode ser qualificado como uma
"fantasia de guerra", para utilizarmos a expressão de José Antonio
Arantes, que assina o posfácio ao
livro. Machen já havia se dedicado ao tema em outras obras, entre
as quais "The Angels of Mons",
um conto sobre fantasmas de velhos arqueiros ingleses que teriam
salvado as forças britânicas em
1914. Tomada por verdadeira, a
história dos "anjos de Mons" deu
origem a uma lenda que ganhou
fama durante a Primeira Guerra,
passando a figurar na mitologia
popular da Inglaterra.
Contudo, embora tenha conseguido a proeza de perpetuar uma
de suas histórias no imaginário
inglês, o escritor galês ainda é
pouco conhecido. Elogiada por
Wilde, Lovecraft e Borges, sua extensa obra continua sendo lida sobretudo por aficionados do gênero, que reconhecem nela um vigoroso traço de inovação.
Se Machen ocupa um lugar especial na literatura fantástica, é
porque negligenciou as convenções ordinárias do sobrenatural.
Prova disso está nas prosas poéticas incluídas neste livro sob o título "Ornamentos de Jade", que se
valem de temas das mitologias
pagãs e de referências panteístas.
Contudo, seu maior mérito foi o
de ter trazido para a luz do sol cenas que até então só se desenrolavam nas penumbras dos castelos
mal-assombrados, ampliando os
efeitos do que ele chamou de "a
mão invisível do terror".
Eliane Robert Moraes é professora de
Estética e Literatura na PUC-SP, e autora
de, entre outros, "Sade: A Felicidade Libertina" (Imago).
O Terror
The Terror
Autor: Arthur Machen
Tradutor: José Antonio Arantes
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 29 (192 págs.)
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