São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2006

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Osvaldinho recupera samba rural de SP

Aos 66, percussionista comemora 50 anos de carreira com novo álbum, em que destaca identidade paulista do gênero

Músico critica o samba-enredo e diz que os paulistas imitam o padrão dos cariocas, perdendo sua característica "caipira"


CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No início dos anos 50, o então engraxate Osvaldinho passou muitos fins de semana na delegacia do bairro paulistano do Tucuruvi, detido por perturbar os vizinhos com suas batucadas. Nem as pancadas que levava dos policiais diminuíram a paixão do garoto pelo samba.
"Eles pegavam a gente pelo pescoço. Íamos apanhando até a delegacia, mas na semana seguinte estávamos lá de novo, batucando", conta Osvaldinho da Cuíca, que hoje, aos 66 anos, é uma autoridade musical quando o assunto é samba.
Comemorando 50 anos de carreira com o lançamento de um novo CD, o percussionista ainda se inflama ao constatar que o samba criado em São Paulo, nas últimas décadas, já não é mais o mesmo dos tempos de sua juventude.
"O samba paulista perdeu sua identidade, praticamente desapareceu. Hoje ele é feito nos padrões cariocas, segue o estilo da Velha Guarda da Portela ou da Mangueira", lamenta Osvaldinho, que aproveitou seu disco para resgatar um dos estilos de samba que melhor conservam a essência paulista. "São Paulo cometeu um crime contra sua cultura ao deixar de fazer o samba rural", critica.
Ao lado de diversos convidados, como os cantores Jair Rodrigues, Thobias da Vai-Vai e Aldo Bueno, além dos grupos Demônios da Garoa e Quinteto em Branco e Preto, o percussionista cultiva esse estilo de samba já quase esquecido, em várias faixas do CD "Em Referência ao Samba Paulista", todas de sua autoria.
Uma de suas fontes de inspiração, revela Osvaldinho, foi o clássico "A Cuíca Tá Roncando", de Raul Torres. Gravado originalmente em 1935, pelo próprio autor, esse foi o primeiro samba paulista que obteve sucesso no resto do país. "Era um samba bem rural, bem caipira", relembra ele.
Outro estilo bem característico do samba de São Paulo, também presente no disco, é o urbano, do qual os sambas gaiatos de Adoniran Barbosa e Oswaldo Moles foram os melhores representantes.
"Quem quiser saber como era o samba urbano paulista precisa ouvir as gravações antigas dos Demônios da Garoa. Eu participei de muitas delas", ensina Osvaldinho, que integrou o lendário conjunto de samba em diversos períodos a partir de 1968. "Aquela batida dos violões, do afoxé e do pandeiro é meio rural, mas se trata de um samba urbano por causa da letras, da gozação, daquele negócio de falar errado."
O álbum destaca também um samba-enredo de Osvaldinho ("75 Anos da Vai-Vai"), que ele admite ter gravado por insistência do produtor Paulo Félix. Vencedor de vários carnavais paulistanos com seus sambas-enredos, hoje o compositor demonstra uma certa antipatia por esse estilo, que também se descaracterizou.
"Tem muito samba-enredo bom, quero deixar claro, mas de modo geral ele virou marcha. E eu não aceito que um samba tenha divisão de marcha", rejeita o veterano sambista.


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