São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Eduardo Anizelli/Folha Imagem
Rappin'Hood e Vincent Cassel observam Heliópolis, maior favela da cidade de SP


Ele recebe prêmio de melhor cantor, leva Vincent Cassel à maior favela de SP e diz que o vitiligo o salvou do crime -mas não das batidas da polícia

Ar de moleque que desmente seus 35 anos, Rappin'Hood, um dos mais celebrados rappers do Brasil, tem o rosto -e as mãos- marcados, resultado do vitiligo que começou a se manifestar na adolescência. "Isso aí salvou minha vida. Porque os moleques iam fazer as fitas [assaltos] e falavam: "Você não vai, não. Com isso aí na cara, todo mundo vai te reconhecer'".

 

Passa de uma da manhã e o paulistano Antônio Luiz Junior, como sua mãe, Elizabeth, o batizou, caminha por uma rua de paralelepípedos nas proximidades do Teatro Municipal do Rio. "Cara, acho que deste ano não passa. Eu vou ter que invadir essa cidade", diz. "O pessoal fala que eu só venho aqui receber prêmio".
 

Na noite de quarta, 25, ele estava no Rio para fazer justamente isso: ganhou o troféu Orilaxé de melhor cantor do ano, dado pelo grupo cultural AfroReggae. "Um rapper ser eleito melhor cantor é um puta reconhecimento. Cantor pra mim é cara que canta, é o Caetano Veloso [com quem Rappin" gravou um dueto em seu segundo disco, que já vendeu 100 mil cópias]". Ele recebeu o prêmio em cerimônia para 3.500 pessoas no Municipal.
 

Cinco dias antes, Rappin" recebeu o ator francês Vincent Cassel e o diretor Kim Chapiron na favela de Heliópolis, com 100 mil moradores, para uma gravação de seu programa "Manos e Minas", que apresenta na TV Cultura. "Aqui eram vários campos de futebol. As pessoas foram invadindo até virar a maior favela de São Paulo", diz o rapper. Ele agora é famoso. Já gravou dois discos, tem programa de TV, já cantou com Caetano, Gil e Jair Rodrigues. Mas continua morando "na quebrada".
 

Rappin" leva os dois à orquestra formada por jovens do lugar. "Isso aqui era chamado de ilha de madeira por causa dos barracos", explica o rapper. "Um dia, houve um incêndio. O maestro Silvio Baccarelli quis fazer alguma coisa e começou esse trabalho todo".
 

O maestro Edilson Ventureli, que toca o dia-a-dia da sinfônica, explica a Cassel que as gravações de CDs são feitas em outro lugar. "Mas nossa sede foi construída onde antes funcionava uma câmara frigorífica. Como não passava ar, também não passa som. Ali fazemos os ensaios." Rappin'Hood explica aos garotos da sinfônica que Cassel estrelou o filme "O Ódio" (1995), sobre jovens das periferias francesas, "que acabou antecipando o que aconteceu depois, quando eles [jovens imigrantes] saíram queimando carros [em 2005]."O ator diz que "as pessoas quebram a casa onde vivem, não vão ao centro. A revolução fica sempre longe de onde está o problema".
 

"Se tivesse algo assim [como a sinfônica] na minha época, teria sido muito mais fácil para mim", diz Rappin'Hood, que conta que "o rap, o movimento social, me salvou. Podia estar por aí, pondo ferro [arma] na cabeça dos outros." Ele se mudou aos nove anos para Heliópolis, quando a mãe comprou uma casa na região, e mora lá até hoje -pagando aluguel para dona Elizabeth, que se mudou para Araraquara, no interior de SP. "Toda quebrada tem o bem e o mal. Sou mais um que foi tentado e mais um que Deus abençoou. Alguns amigos viraram pais de família, trabalham, estudaram. Outros piraram, estão presos. E quem tentou me convidar para certas coisas nem está mais aí."
 

Ao embarcar para o Rio, cinco dias depois, o rapper, na entrada do avião, recebe os jornais do dia das mãos das comissárias. A morte da ex-primeira-dama Ruth Cardoso está na primeira página. "Uma grande socióloga, mas era contra as cotas [para negros nas universidades. Ruth assinou manifesto "cidadãos anti-racistas contra leis raciais" ao lado de personalidades como Caetano Veloso]". Rappin", claro, é a favor. Na última semana, conta, ele levou duas batidas da polícia. "Falam que é só serviço de rotina, para ver se está tudo bem. Vasculham o carro, levantam até o tapetinho, puxam a ficha, descobrem que o carro é meu e me liberam." Escapa da "rotina" quando é reconhecido por um dos policiais.
 

"Eu sou o último ponta-esquerda, radical, não gosto de partido. Na minha vida eleitoral, sempre votei no PT. Aliás, no Lula. Fui um dos que acreditaram nele na última eleição". "Lula fez a cara dele, vai sair intacto, mas eu quero mais. O governo dele já foi. Quero ver se o próximo segura o B.O.". Não participa de campanhas. Votará em Marta Suplicy para prefeita? "Votaria no seu Eduardo [Suplicy]". Na pista do aeroporto, reclama de "saudade do meu moleque", Martin, de seis anos.
 

Há dois anos, na esteira do sucesso musical, Rappin" lançou a Hood Wear, grife de moda jovem. No corredor do Municipal, ele revira as próprias roupas à cata de uma peça para mostrar à coluna. Nada. De repente, alívio: sua cueca era da Hood Wear, "para não falar que não tô com nenhuma peça".
 

No camarim o aguardam uma bandeja de frutas, copinhos com água mineral e uma geladeira com energéticos colocada por um patrocinador do prêmio. "Não tendo bebida alcoólica, tá tudo certo", diz. "Se falar que sou santo, estarei mentindo, mas drogas não fazem a minha cabeça. Se ficar só envolto na nuvem de fumaça, não faço mais nada". Meia hora antes de cantar, fica sozinho e se esparrama no sofá. "Faço uma oração, para ter reflexão sobre o que vou fazer. Subir no palco não é bundalelê".


Reportagem DIÓGENES CAMPANHA

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