São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Festa gay usa Beckham e vela para afastar polícia

Precaução existe mesmo após renúncia de Fidel, "novos tempos" para homossexuais

Com militância de Mariela, filha de Raúl Castro, gays já podem dispensar o sal grosso, mas baladas ainda acontecem longe da cidade

DA ENVIADA A HAVANA

A sorveteria Coppelia, eternizada pelo filme "Morango e Chocolate" (1993), já não é mais a mesma. Casais gays dividem as mesas numa Cuba que, desde a época do filme até alguns meses atrás, não era tão gentil com os homossexuais.
"Agora são outros tempos", diz a jovem cubana Lis, 25 anos, numa lanchonete em frente à sorveteria, com o amigo gay Alejandro (eles preferem não dizer os sobrenomes). Os novos tempos a que ela se refere começaram na renúncia de Fidel Castro, que passou o governo ao irmão, Raúl Castro, em fevereiro deste ano. "Com a Mariela [Castro, filha de Raúl, militante do movimento gay] falando por nós, estamos mais livres."
Liberdade para andar na rua, sim, mas nem tanto. O ator e fundador dos Satyros Ivam Cabral passeia pela mesma calle 23, no bairro Vedado, quando vê policiais dando um aviso: "Este é um ponto de homossexuais, só para que você saiba. Mas, se quiser ficar aqui, pode".
No sábado, dia 21, Cabral está de volta à rua, com mais alguns integrantes dos Satyros. Aguardam juntos porque é de lá, da calle 23, na esquina da sorveteria Coppelia, que saem táxis com muitos gays de Havana nas noites de quinta a domingo: vão para "las fiestas ilegales" -ou clandestinas, chamadas assim pela forte repressão que as festas gays sofreram durante muito tempo por parte do governo.
Ao contrário das raves semiclandestinas, em que DJs se apresentam em campos de futebol longe de Havana, as tais festas têm menos jeito de balada, e mais de evento cultural. "Em Cuba, tudo é possível", diz o cubano Ahmed (sobrenome não revelado), 24, que levará os brasileiros até a festa.
Para ir, é preciso estar acompanhado de um cubano como Ahmed e conhecer um dos taxistas que sabem o endereço. "Eu não sei, mas fiquem tranqüilos. Com a Mariela [Castro] a polícia não faz mais nada", diz Ahmed. O táxi custará 2,50 CUCs (cerca de R$ 4,20) por pessoa até o local, a cerca de 30 minutos da cidade.
"As festas são longe porque, quando começaram, temíamos a polícia. Agora, acabam sendo lá mesmo", explica Ahmed. Mesmo assim, quando passa pela polícia, o taxista diminui a velocidade -no carro, as pessoas fazem silêncio e só o som do grupo cubano Los Insurectos" continua alto.

Pegación!
Na entrada da festa, há um altar: uma santa, vela e... um pôster de David Beckham. "É para proteger a festa da polícia. Antes da Mariela, colocávamos mais coisas, sal grosso, incenso...", conta ele.
Depois de um corredor de luz amarelada com mais cartazes (de Enrique Iglesias e Ricky Martin), chega-se ao caixa, que lembra o de uma festa de república universitária: uma mesa de madeira e uma caixa de sapatos. Para entrar, são cinco CUCs (R$ 5) para turistas e dois pesos (R$ 0,12) para cubanos.
Há algumas mesas instaladas diante de um palco pequeno, decorado com um globo de espelhos no teto e uma cortina de tiras coloridas de cetim e paetê. Atrás do setor de mesas, em pé, os homens -não passam de dez as mulheres da festa- se acumulam, mais distantes do palco, abraçados ou dançando.
"Eles sabem que estão numa festa gay, certo?", pergunta Ahmed, referindo-se a alguns atores dos Satyros. "Porque aqui é pegación!", diz em portunhol, que aprendeu por já ter vindo ao Brasil visitar o grupo.
À meia-noite, começa o show. "Aplausos para a mais temperamental das mulheres de Havana: Império!", anuncia um locutor. "Hola! Hola! Agradeço a todos que pegaram um avião para estar aqui, trem ou carro. É uma honra", diz Império, uma transexual de vestido longo branco-e-preto.
"Perra! Perra! [Cachorra!]", surgem gritos na platéia. Ela ri e começa a cantar em inglês. É seguida, então, por outras que também apresentam músicas do pop norte-americano -incluindo, claro, Madonna.
O grande momento para os brasileiros da platéia é quando a atriz Phedra D. Cordoba vai ao palco. Mesmo depois de 54 anos longe de Cuba, ela é a única das transexuais da noite que usou uma música cubana no show. Dançou, no palco, uma salsa. (AF)


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