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CRÍTICA
Autor mira revólver para olimpo estampado nas revistas
TOM ZÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sou contra este livro.
Discordo completamente
do que ele diz.
Aproveito para colocar-me
também contra a receita de Ezra
Pound, que manda que se comente o poema, não o poeta, e digo
que Pedro Alexandre Sanches, o
autor, tem crédito para escrevê-lo.
Conseguiu-o ouvindo artistas das
fímbrias do mercado, estranhos
às grandes confrarias e eventualmente apostando em carreiras
ainda não consagradas. Sincero,
faço votos de que minha discordância aumente a discussão e o
número de seus leitores.
"Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba", título muito
bem-achado, de ressaibo concretista, aborda o problema da música popular brasileira de forma como eu, por exemplo, nunca faria
nem teria coragem de fazer. Apresenta cruamente um "decifra-me,
ou te devoro": não sob a forma de
enigma literário ou engenhoso,
mas com um revólver na cabeça.
Espera-se que um crítico cobre
criação e produção. O autor o faz,
com frequência. É justo que um
crítico tenha a expectativa de
acontecimentos significativos dos
quais possa participar intelectualmente, para começo de conversa.
Quando PAS chegou à idade
adulta, viveu o fracasso do período, do ponto de vista de sua demanda por criatividade. Foi traído pelo capricho de uma longa estiagem de criação. Em sua época
de estudante, aos 25, viu-se perdido: ou por não querer introduzir-se na panela dos heróis vigentes,
ou por não lhe oferecer um bonde
no qual embarcar com seu desejo.
Foi um Tennessee Williams sem
doce pássaro e sem juventude.
Tudo que se fale sobre o livro tem
de levar em conta a idade do autor
e o momento da escrita.
É justo que um crítico cobre riqueza criativa, que não permita
ao artista tornar-se uma franquia
de si mesmo. Mas não concordo
com sua condenação a Caetano,
ou à forma como este conviveu
com "A Morte do Caixeiro-Viajante. Amenizando a metáfora: de
"um" caixeiro-viajante. Sempre
nascemos ao lado ou na correnteza de um repertório de modelos
"eternos-e-prontos-para-morrer". Morria o samba, ou melhor,
um de seus estilos. Morte dolorosa. A maioria, nos anos 60 e 70,
tentou reagir, recolheu-se em mágoas, esperneou. Caetano aceitou
e o registrou em versos e atitudes.
Lembro-me de Rogério Duprat,
na época: "Veja o samba: é uma
forma rica e complexa, mas agora
não só parece uma bobagem como anda chato pra burro". E lá ia
o indigitado, exaurindo-se em repetição formal. O tropicalismo de
Gil e Caetano foi o urubu dessa
carniça. O livro condena uma medida de saúde pública. Insisto: o
enterro do samba o fortalece. Provam-no os últimos e belos compostos por Caetano, tentativas como "Estudando o Samba" etc.
Voltando ao estilo "revólver-na-cabeça": o autor não é o primeiro excluído a traduzir desesperança e carência em bala. Essa
dor de olhar ao intangível remete-me a Contardo Calligaris, narrando no Mais! uma cena vista no aeroporto de Milão: pessoas pobres
sentadas na grama, comendo sanduíches e contemplando os aviões
que nunca as acolheriam na barriga metálica. Já no Brasil, depois de
Noel, da bossa nova, do tropicalismo, somos todos farofeiros. Em
nossa Milão, os "aviões da arte
eleita", além de aturdir os excluídos com ruído, privam-nos da palavra como vida. Ave, Lacan.
Parece que me aproximo de um
dos temas do livro: o direito à
existência. Desenhemos um paralelo: o Olimpo grego, deuses em
banquete. E ao comum dos homens, que os inventou, cabem farofa e contemplação bajuladora?
Aqui concordo com o autor. Entre nós, brasileiros, a intermediação de revistas confirma o estado
de coisas e mantém a intangibilidade dos eleitos. Tal olimpo massacra via "Caras", caríssimo castigo. Identifico-me com esse modo
de ver a vida como discurso, como direito à voz participativa.
A recorrência a categorizações
lukacsianas ao narrar e descrever
empurra e emperra a análise. Há
muito que a literatura se afastou
da narrativa; bons narradores são
muito raros. Não há por que cobrar à música popular a função de
libretista do epos e o papel de
consciência estética. Sobre ela recairiam o dom, a responsabilidade, a técnica, o saber-fazer. Será
que você não está nos pedindo
muito, não, Pedro Alexandre?
Deixando categorias críticas pra
lá, é quando o autor exerce a emocionalidade que o livro é bom. Arrisca-se a errar, não se filia a consagrações cristalizadas, ousa levantar cortina sobre o que o tempo pode mostrar como equívoco
total ou acerto premonitório.
Por traquejo profissional, PAS
sabe que essa história de "considerandos" não vende idéias. Então cospe fogo (ou quase) em Chico Buarque, Jorge Ben Jor, Paulinho da Viola. E lá vai, haja bala.
Tropicalismo - Decadência
Bonita do Samba
Autor: Pedro Alexandre Sanches
Editora: Boitempo
Quanto: a definir (340 págs.)
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