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Tio Dave era pleno de boas histórias
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
David Drew Zingg tinha muita
sorte. Foi o homem certo, para a
profissão certa, que encontrou os
personagens certos, nas épocas e
nos locais certos.
Tio Dave (como ele mesmo se
autodenominava em seus artigos
publicados na Folha entre 1987 e
o início deste ano) viveu muito
bem seus 76 anos. É o mínimo
que se pode dizer ao relembrar
encontros em que ele destilava
humor, inteligência, sagacidade e
alguns exageros.
Zingg era um homem de muitas
histórias. A primeira, e provavelmente verdadeira, foi seu nascimento em Montclair, Nova Jersey, EUA, em 14 de dezembro de
1923. A seguir vieram outras: passeios de bonde até Nova York,
emprego de office-boy na NBC,
cursos na Universidade Columbia. Dessa época, suas histórias
saltam para a Segunda Guerra
Mundial, na qual combateu como
voluntário na Força Aérea Americana e se tornou correspondente
de guerra.
De volta a Nova York, atuou como editor, redator e repórter das
revistas "Look" e "Life". Em meados dos anos 50 se tornou fotógrafo-repórter free-lancer, o que
foi até morrer.
Exibiu seu talento em "Look",
"Life", "Esquire", "Sports Illustrated", "Vogue", "The New York Times" e "The Observer", entre outras publicações.
Acompanhou de perto a vida de
inúmeras celebridades, como
John Kennedy (cobriu, naquela
mania de estar no lugar certo com
a pessoa certa, a campanha do futuro presidente e descobriu muitos de seus segredos inconfessáveis), Winston Churchill, Che
Guevara, Louis Armstrong, Ella
Fitzgerald e outras, diversas das
quais ficaram suas amigas.
Essa seria uma de suas características por toda a vida: estabelecer mais que relações meramente
profissionais com as pessoas e lugares com os quais se envolvia
jornalisticamente. Contava que,
de brincadeira, Grace Kelly o empurrou, vestido, numa piscina e
que namorou uma moça de 18
anos chamada Oona que, em
1942, o apresentou a um senhor
que "poderia ser seu avô", dizendo: "David, este é meu futuro marido, Charles Chaplin".
Zingg chegou ao Brasil, pela primeira vez, em 1959, cobrindo a regata oceânica Buenos Aires-Rio.
Logo criou uma ponte aérea NY-Rio e, mais uma vez, foi ao lugar
certo, na hora certa.
Era 1962 e na boate Bon Gourmet estreava o show que reunia
uma turma de músicos e um poeta-diplomata. Nada menos que
João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Foi o primeiro
show de bossa nova da história e
Tio Dave estava lá.
Estava lá e ficou, como disse,
"enfeitiçado, hipnotizado, profundamente transformado".
Tanto que, sob o efeito de vários
martinis do bar P.J.Clark's, de NY,
teve uma idéia para promover a
reportagem que fizera sobre a nova música brasileira: "É só alugar
o Carnegie Hall e uma frota de
aviões e chamar a tropa da bossa
nova para um show aqui".
As coisas aconteceram mais ou
menos assim e a bossa nova ganhou o mundo.
E o Brasil ganhou Zingg, que
voltou em 1964, passando a fazer
parte das turmas de Ipanema, da
bossa nova, do cinema novo e da
agitação que rolava no Rio.
Foram anos de retratos encantadores de Pixinguinha, Tom Jobim, João Gilberto, Pelé, Leila Diniz, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e de personagens anônimos.
Zingg se mudou para São Paulo
em 1978, integrando-se rapidamente. Descobriu até pendores
para o canto, integrando a banda
pseudo-punk Joelho de Porco.
Passou a escrever periodicamente na Folha e também atuou
como consultor da editoria de Fotografia do jornal.
Ensinava, em reuniões divertidíssimas, nas quais não abandonava o chapéu de aba caída e a
gravata-borboleta, a arte do retrato ("Zingg, reputo, é um mestre
do retrato", escreveu o crítico Pietro Maria Bardi), contribuindo
para que o jornal desse um salto
qualitativo nessa área.
Em 1990, tornou-se colunista fixo do jornal, primeiro na llustrada, depois em Turismo, onde
compartilhava com o leitor experiências de uma vida peculiar.
Seu último artigo na Folha foi
publicado em 28 de fevereiro deste ano e tinha como epígrafe a frase do escritor Oliver Goldsmith
(1730-1774): "Nada supera a vaidade de nossa existência, exceto a
frivolidade de nossas ocupações".
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