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MÚSICA
Co-criador da bossa nova e do "barato total" comemora aniversário com artistas jovens de hip hop e drum'n'bass
João Donato completa 70 anos de liberdade
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
No próximo dia 17 ele completa
70 anos, e é mais moço que um
menino. João Donato, sumidade
da invenção bossa-novista e papa
do "barato total" dos anos 70, começa a comemorar já neste fim de
semana, no Sesc Vila Mariana.
Será explorada uma de suas
grandes peculiaridades: o poder
de atração que exerce sobre músicos mais jovens de várias extrações. A fatia mais pop da obra do
artista acreano virá somada a participações em hip hop (Marcelo
D2), drum'n'bass (DJ Patife),
MPB eletrônica (Otto, Marcelinho da Lua), soul (Léo Maia, filho
de Tim)...
Em entrevista por telefone, do
Rio, o pianista, tecladista e cantor
bissexto, que tem nada menos
que sete discos prontos ou em fase de conclusão, fala sobre seu
aniversário, sobre a recente parceria bêbada com Marcelo D2 em
gravação ainda inédita do "Acústico MTV", sobre gaiolas abertas,
sobre o balanço das horas.
Folha - O que fica diferente quando a gente faz 70 anos?
João Donato - Especialmente,
nada. A gente só vai ficando mais
experiente, melhorando. Vou ganhar do ministro Gilberto Gil um
diploma de honra ao mérito ou
coisa assim, não sei direito o nome. É mais ou menos segredo,
mas ouço uns comentários.
Folha - Seu parceiro Marcos Valle
disse à Folha que nos anos 70 você
tinha fama de "maluco". Tinha?
Donato - Não, não, não tenho essa fama de maluco, não. Isso aí é
meio lenda. Faz muito tempo que
sou considerado uma pessoa normal (ri). Quando era mais jovem e
menos compromissado, entrava
numa gravação e às vezes não terminava, ia embora no meio do caminho porque achava que a coisa
não estava boa (ri). A gente era
maluco beleza, o maluco que andava na frente do tempo, não o de
botar nas grades. João Gilberto
também é considerado maluco,
só porque não gosta de dar entrevista, de sair de casa.
Folha - Como foi o episódio da bebedeira de Marcelo D2 na gravação
do "Acústico MTV"?
Donato - (Ri.) Valeu como expressão de alegria, de euforia, de
as coisas não seguirem uma rotina muito rígida. Ali na TV a gente
não sabia o tempo, o tamanho.
Como gravamos três vezes a mesma música, saiu de três maneiras
diferentes. A gente perdia um
pouco a noção, não era matematicamente contadinho em minutos
e segundos. Eu gosto assim.
Eu quero é falar com todo mundo, ir ao D2 de bonezinho cor-de-rosa. Ainda quero botar aquelas
roupas que eles botam, até metade da canela. Tenho esse espírito
jovem, essa alma que não envelhece. Meu espírito é juvenil, é
quase infantil. Gosto de brincar,
acho que não tem razão para a
gente ser tão sério a respeito de
uma coisa tão alegre como a vida.
Viro assim uma espécie de irmão
mais velho da turma. Está aí a saúde da sua arte. Você pode arrumar uma combinação comercialmente boa, mas não tão saudável,
tão bem-intencionada espiritualmente. Se é voltado para o sucesso, o lucro e o dinheiro perde sinceridade, é como um casamento
por interesse, "vou casar com fulana de tal porque é milionária".
Folha - Por que você tem estado
mais próximo de artistas mais jovens que dos de sua geração?
Donato - Houve um distanciamento, as coisas diminuíram. A
aproximação com Gil e Caetano
Veloso se deu numa época em
que eu tocava com Gal Costa, a
gente vivia nas casas uns dos outros. Agora é difícil encontrar fisicamente, a gente só se vê em
show, prêmio, não se encontra
sem ter um porquê. Fica um troço
de antemão, uma coisa assim de
horário de consultório.
Os mais jovens me procuram
assim como se eu fosse fazer alguma coisa nova para eles, e eu sei
que vou encontrar algo novo com
eles. Os dois lados ganham. Meu
jeito de acreditar na música não
foi passando por um processo de
envelhecimento ou de amadurecimento. É como uma mangueira
que quando jovem dá umas manguinhas e quando velha continua
dando aquelas mesmas manguinhas, com o mesmo sabor. Não
sei que comparação é essa.
Folha - Os shows do fim de semana serão inventados na hora?
Donato - Tem coisa que tem que
fazer na hora de ensaiar. Não pode tentar enclausurar a música
como se fosse um pássaro numa
gaiola. Ela tem que ter as próprias
asinhas e sair voando. É só não
tentar controlar a música, fazer a
música. Deixa que ela se faz sozinha, você apenas capta. Senão a
tendência é estragar, é como se a
gente metesse a mão na panela e
desandasse a maionese.
Você espera que a coisa aconteça, pode vir do canto de um passarinho. Agora comprei um relógio
de parede que cada hora é o canto
de um pássaro diferente. O meio-dia é o corrupião, que faz assim
[cantarola a melodia do "Hino
Nacional Brasileiro"]. O autor do
hino ouviu isso, não é possível, é
muita coincidência. Uma vez ouvi
um pássaro, era assim [cantarola
"Garota de Ipanema"]. Saí perguntando aos amigos, aos porteiros que são nordestinos. Um porteiro amigo meu disse que é o sabiá quando tem filhote no ninho.
Está explicado, quem sabe se Tom
Jobim não ouviu e saiu em frente
com o resto da coisa.
Folha - Existe alguma música sua
copiada de passarinho?
Donato - (Ri.) De passarinho,
não, mas o assovio de "Lugar Comum" ouvi na beira do rio, de um
canoeiro que passava ao cair da
tarde. Fiquei assim um pouquinho emocionado. Ficou na minha
cabeça o momento, a paz do cair
da tarde. Nunca mais esqueci,
tempos depois peguei o tema e
pedi ao Gilberto Gil para colocar
uma letra. Não contei nada da historinha, mas ele fez, "beira do
mar, lugar comum", "onde o fim
da tarde é lilás", quase contou a
história da canoinha sem saber.
JOÃO DONATO 70 ANOS - Shows
comemorativos amanhã (com Marcelo
D2, Wanda Sá e Péricles Cavalcanti) e
sábado (com Otto e Marcelinho da Lua),
às 21h, e domingo (com DJ Patife e Léo
Maia), às 18h. Onde: Sesc Vila Mariana (r.
Pelotas, 141, tel. 0/ xx/11/5080-3000).
Quanto: R$ 30.
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